1. Sobre a relevância e sobre a essencialidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), eis um texto — do pneumologista João Cravo — que li no Facebook:
«O SNS continua a ser o principal lugar onde se pratica medicina como missão. É o único sítio onde alguém com dispneia, febre e uma vida marcada pela pobreza é atendido às 4 da manhã, sem cartão de crédito nem autorização da seguradora. E, paradoxalmente, é também de onde os médicos agora fogem.
A maioria dos hospitais privados, mesmo os mais prestigiados, não tem um verdadeiro serviço de urgência polivalente. Têm “uma” urgência, mas não é “o” serviço de urgência. Procuram episódios previsíveis e lucrativos, e evitam casos críticos ou complexos — e fazem‑no com razão: a urgência real é dispendiosa e imprevisível, fora da lógica do negócio.
O setor privado funciona melhor quando o SNS ainda resiste. Se o SNS colapsar, o privado será forçado a assumir um papel para o qual não está preparado, com custos, complexidade e caos. Em 2024, mais de 2 mil médicos saíram do SNS. Muitas urgências, da ginecologia à pediatra, estão em rutura.
Os privados estão a ver isto. E não reagem. Porquê? Porque não lhes interessa esse buraco negro.
Imagine: suspeita de enfarte. São 3 da manhã. O hospital público não tem cardiologista. Liga para o privado. A resposta? “Vá ao público.” Mas o público, nessa noite, não existe. E o privado não o recebe. E então? O que vale a sua riqueza? Nada.
Pior, sem SNS, não há emergência pré‑hospitalar. Morre-se antes de (a algum sítio) chegar.
A medicina privada não é vilã: atua racionalmente num mercado com limites claros. O erro é pensar que pode substituir o SNS.
Se o SNS colapsar, o custo da saúde torna‑se incalculável, mesmo os ricos teriam dificuldade em pagar: os seguros sobem, doentes crónicos são excluídos e os idosos empurrados para fora. O privado recusaria casos complexos ou ficaria sem onde os referenciar. E os médicos, exaustos, voltam a fugir — mas agora sem destino.
Quanto pode pagar? Tem 80 anos e precisa de cuidados paliativos? Tem cancro com metástases cerebrais? Um filho com doença rara? A solução para estas perguntas não cabe num relatório de contas.
O SNS é, ironicamente, o melhor seguro de saúde que os ricos portugueses têm. Não o usam todos os dias. Nem o querem. Mas é a rede de segurança. Quando tudo falha, o SNS ainda lá está: a intubar, ventilar, reanimar, paliar. Virtualmente de borla. Para todos.
Quem é o culpado por aqui chegarmos? O médico/enfermeiro exausto ou que pretende criar um futuro melhor? O administrador que gere o impossível mas é “insultado” por todos? O utente que só quer ser atendido?
Na verdade, somos todos responsáveis por termos alimentado a ilusão de que o SNS duraria para sempre, mesmo que sem médicos, investimento ou respeito.
O dia em que o SNS deixar de existir, ou for substituído, será o dia em que os ricos perceberão que sempre precisaram dele. Porque mesmo quem tem tudo pode não ter um coração a funcionar. E porque quem manda no privado sabe que não pode ser o SNS.
No final, a saúde só existe quando há para todos.»
2. Nota
A tragédia do Elevador da Glória gerou a necessidade de, no setor da saúde, mobilizar depressa pessoas e meios. Pessoas e meios do SNS.
Repitam comigo: do SNS.
Abençoado sejas, SNS. Saibam os governantes dar‑te os meios e a gestão de que precisas.