Romance del Duero, de Gerardo Diego, e um poema da minha lavra

Sexto texto da série Autores que Cantaram o Douro

1. Gerardo Diego (Santander, 1896 – Madrid, 1987) foi um dos autores da Geração de 27, assim batizada no ano de 1927 em homenagem a Luis de Góngora, que havia morrido em 1627 e que tinha sido o maioral do texto barroco durante o Século de Ouro do beletrismo espanhol.

Diego tanto escreveu poesia de vanguarda — foi um dos representantes do criacionismo e do ultraísmo — como poesia de cariz clássico e tradicional. No âmbito desta se inclui Romance del Duero, inicialmente publicado em 1923, no poemário Soria (Galería de estampas y efusiones).

O vate celebra o rio Douro e fá‑lo evidenciando o desprezo com que o tratavam os habitantes de Sória, cidade em que o rio passa e na qual Gerardo Diego exerceu atividade docente. Eis o poema em versão espanhola:

Río Duero, río Duero,

nadie a acompañarte baja;

nadie se detiene a oír

tu eterna estrofa de agua.

Indiferente o cobarde,

la ciudad vuelve la espalda.

No quiere ver en tu espejo

su muralla desdentada.

Tú, viejo Duero, sonríes

entre tus barbas de plata,

moliendo con tus romances

las cosechas mal logradas.

Y entre los santos de piedra

y los álamos de magia

pasas llevando en tus ondas

palabras de amor, palabras.

Quién pudiera como tú,

a la vez quieto y en marcha,

cantar siempre el mismo verso

pero con distinta agua.

Río Duero, río Duero,

nadie a estar contigo baja,

ya nadie quiere atender

tu eterna estrofa olvidada,

sino los enamorados

que preguntan por sus almas

y siembran en tus espumas

palabras de amor, palabras.

E agora apresento o texto em português, com tradução da minha lavra:

Romance do Douro

Rio Douro, rio Douro

ninguém desce para te acompanhar;

ninguém se detém a escutar

a tua eterna estrofe de água.

Indiferente ou cobarde,

a cidade volta as costas.

Não quer ver no teu espelho

a sua muralha desdentada.

Tu, velho Douro, sorris

no meio das tuas barbas de prata,

moendo com os teus romances

as colheitas frustradas.

E entre os santos de pedra

e os álamos mágicos

passas levando nas tuas ondas

palavras de amor, palavras.

Pudesse alguém, como tu,

ao mesmo tempo quieto e em marcha,

cantar sempre o mesmo verso,

mas com distinta água.

Rio Douro, rio Douro,

ninguém desce para estar contigo,

já ninguém quer prestar atenção

à tua eterna estrofe esquecida,

a não ser os enamorados

que perguntam pelas suas almas

e semeiam nas tuas espumas

palavras de amor, palavras.

Aí está o rio que o poeta admira e canta, o flume que os sorianos desconsideram e que parece só ter valia para as criaturas enrabichadas.

O poema tem bom ritmo, para isso concorre a epanadiplose que fecha duas estrofes. Ele pode ser lido do princípio ao fim da mesma maneira que se navegaria rio abaixo.

O tom oralizante é sugerido pela apóstrofe do primeiro verso e reiterado, posteriormente, pelo reemprego de tal figura.

Foto: turismosoria.es

2. Em Traducir, traducir, escreveu Gerado Diego: «Escribir poesía es, o debe ser, un acto inhabitual reservado a los momentos de afán creador o expresivo, cuando la carga vital y emocional, aunque sea de emoción recordada, es tal, que sentimos la necesidad, la forzosidad de un desahogo comunicativo y rítmicamente encauzado.»[1]

Na sequência da releitura de Romance del Duero, ganhei ânimos, carregados pelo sentir daquilo que é necessário, de reescrever Página Seguinte, publicado em 2009 no meu livro À Senoite. Aqui fica a nova versão desse poema:

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o suor desce do geio

e encorpa a letra

Homens marcados por cruor

empunham os gládios perdidos no rio,

depõem‑nos diante do olhar baço

do perito

E nós,

nós celebraremos o epílogo

com os pés molhados

Ao arrebol serviremos, num cálice,

a jaça do sangue


[1] Vide https://phte.upf.edu/pte/p-siglo-xx-xxi/diego-1971/ [consultado na internet em 6.10.2024].

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