Os projetos extremistas vêm ganhando terreno, na Europa e não só. O seu programa ativo contém o germe do totalitarismo.
Sei que a vida corre mal a muita gente, que é grande a tentação de entregar o voto a tiranetes in spe que são ótimos ilusionistas e magníficos vendedores de promessas. Por isso insisto na necessidade de não esquecermos a história, os horrores de autocracias passadas e presentes, o regime hitleriano. Recomendo a visita a locais como o Museu do Nono Forte de Caunas, ela deixa marca.
O Nono Forte integrou o sistema defensivo de Caunas e foi construído no século xx, ainda antes da Primeira Guerra Mundial. Serviu de cadeia e, em 1940 e 1941, durante a ocupação soviética, abrigou presos políticos em vias de serem transferidos para campos de trabalho forçado. Entre 1941 e 1944, tempo de domínio nacional‑socialista, ele foi palco de execuções em massa, que vitimaram sobretudo judeus. Em 1959, ali foi aberto um museu.
À chegada ao recinto, impressiona o colossal monumento erigido para recordar as vítimas da ferócia nazi. No interior do edifício principal, é interessante observar o resultado da reconstituição das celas e sentir a atmosfera de estabelecimento penitenciário.
No entanto, o que realmente assombra são as informações e as imagens, apresentadas nas celas que foram transformadas em espaços expositivos, relativas ao Holocausto e às suas incidências na Lituânia. Elas versam sobre diversos temas: a deportação para os países bálticos, em 15 de maio de 1944, de 878 judeus franceses, procedentes do campo de concentração de Drancy (muitos acabaram fuzilados no recinto do Nono Forte, onde ainda se podem ver os escritos que gravaram nas paredes); os judeus estrangeiros mortos no forte; a vida no gueto de Caunas; a Grande Ação (em 29 de outubro de 1941, 9 200 judeus do gueto de Caunas foram executados num massacre metodicamente preparado, tratou‑se, nas palavras de um oficial alemão, de «livrar o gueto de judeus desnecessários»); os cidadãos lituanos que ajudaram e salvaram judeus; os «diplomatas da esperança»; as histórias e os destinos de crianças que viveram no gueto de Caunas.
Reporto‑me ao último desses tópicos para aqui deixar um raconto que me comoveu. O pai de Ariela, nascida em 1941, deu uma injeção à filha — presumo que para a adormecer — e fê‑la sair do gueto escondida num saco de batatas. Deixaram‑na à porta de um orfanato, no qual permaneceu um ano, e depois morou com uma família de acolhimento. Mais tarde, reencontrou os progenitores. Ariela sobreviveu à barbárie nacional‑socialista e morreu em 2008.
A expressão «diplomatas da esperança» designa os representantes diplomáticos do Japão e dos Países Baixos em Caunas — Chiune Sugihara e Jan Zwartendijk, respetivamente —, os quais, por sua conta e risco, emitiram vistos que salvaram a vida de milhares de judeus. De Israel, ambos receberam o título de «Justo entre as Nações».
Nos painéis informativos, revoltou‑me ver notícia de gente, nascida depois do meu pai, que teve vida curta, morreu às mãos dos nazis. O meu pai ainda por cá anda.
No amor e com os amigos verdadeiros, dou largas aos afetos, acredito que sou generoso. Mas o ódio que sinto relativamente a várias pessoas — ao meu progenitor e à criatura‑vómito que urdiu uma trama para eu reprovar nas provas de doutoramento, por exemplo — mostra que não consigo ter ilimitada grandeza de espírito. Tampouco me martirizo com isso. Incontestes, tenho sempre no espírito as seguintes palavras de Antero de Figueiredo: «É tão fácil ser bom entre justos, quanto difícil ser calmo entre maus que irritam a vida, tecendo‑a e torcendo‑a de ruindades.»[1]
[1] FIGUEIREDO, Antero de, Jornadas em Portugal, Paris‑Lisboa, Rio de Janeiro, Livrarias Aillaud e Bertrand, Livraria Francisco Alves, 1918, p. 12.
