Os Lituanos põem Mikalojus Konstantinas Čiurlionis (1875‑1911) nos píncaros. A cultura popular, as cantigas do povo e as lendas do seu país foram fontes de inspiração para os trabalhos do compositor e pintor.
Čiurlionis criou imagens que parecem dotadas de ritmo, fundiu música e pintura, a esta aplicou princípios do amanho musical, à primeira foi buscar o título de várias séries de quadros (por exemplo, Sonata do Sol, Sonata da Primavera, Sonata do Mar) e de algumas telas (Prelúdio, Fuga…).
Pintor simbolista, associou mitos e símbolos lituanos à sua forma de ver o real e às suas emoções e produziu imagens fantasiosas, estranhas e estranhamente sedutoras. Nalgumas telas, empregou a abstração, recorreu a elementos desprovidos de ligação à vida.
A maior parte dos quadros de Čiurlionis encontra‑se em Caunas, no museu que o honra e leva o seu nome. Do globo de obras que apreciei, saliento A Criação do Mundo (1905‑1906), um conjunto de pinturas a têmpera, e o tríptico A Jornada do Príncipe (1907), igualmente composto por têmperas.

Nas salas devotadas à arte de Čiurlionis, os vigilantes, pessoas de idade e com tiques de controlo próprios da mentalidade soviética, fixaram em mim um olhar afiado, neles devo ter despertado a impressão de alguém com tendência para o desvio ou para o crime.
No que respeita às outras peças patentes ao público, registo, por se colarem especificamente à Lituânia e por assim conseguir trazer um migalho dessa nação ao leitor, as cruzes.
A Lituânia é a terra das cruzes, avonde presentes no país. Materializam crença, agradecimento, pedidos de intercessão, sentido e rogo de proteção, evocam a memória dos mortos. São, bem assim, símbolos de identidade nacional e de resistência ao invasor. Cruzes altas nos cemitérios traduziam a convicção de que o defunto mais facilmente ascenderia ao céu. Cruzes nos montes, é dizer, não tão longe de Deus, apressariam a resposta às preces. O Museu Čiurlionis exibe, num pátio, uma coleção de cruzes. Algumas delas incorporam notável cinzel.
Do restante acervo, já fora do universo de peças caraterísticas da Lituânia, encantou‑me uma das imagens que decoram um gaveteiro do século xvɪɪ, feito, talvez, no Mosteiro de Grodno, hoje no território da Bielorrússia. Nela se vê Santa Rosália ajoelhada diante de Jesus Cristo, que a coroa com uma grinalda de rosas brancas e lhe entrega um ramo de lírios, da mesma cor. Além de ser graciosa, a figura foge a representações habituais da santa, que costuma surgir sozinha, com um livro, uma cruz e uma caveira. Rosália é padroeira de Palermo, na Sicília, e não é alvo de intensa veneração na Lituânia.

A pegada da Lituânia é verde. Eu e a Jūratė assistimos à inauguração de Žalia (Verde), mostra cujo título indicava o critério que tinha presidido à escolha daquilo que havia para ver — entre outras coisas, quadros, cartazes, fotografias, passaportes, peças de porcelana, roupas, bandeiras, estandartes, insígnias e objetos de estudo científico. O cromatismo poderia servir para identificar a Lituânia, país declinado em florestas, campos, pântanos, combros e jardins de um verde omnipresente. Os Lituanos reveem‑se nessa cor, que lhes traz o universo natural da pátria e aparece na bandeira nacional. Tenho colegas lituanos, atraídos a Bruxelas pelos salários, que volvem almas sofridas na urbe e sempre anelam pelas férias no desafogo que a sua terra lhes oferece.
A esmagadora maioria dos presentes na abertura da exposição trajava, na íntegra ou parcialmente, de verde. Parecia formar uma milícia ecologista. Nas fisionomias e nos modos de vestir, também eu vi um retrato da Lituânia, feita de matronas com cabelo entrançado que manifestavam rusticidade, de mães de família que usavam casacos floridos e com pátina, de mulheres lindas, de homens desenxabidos e de Tadas, o jovem que dirigira a minha visita ao Museu da Escola de Amesterdão e que semelhava um arlequim.

