No Mosela, duas igrejas de traço moderno

A expressão «Trente Glorieuses» («Trinta Gloriosos») deve‑se a Jean Fourastié e designa os trinta anos (de 1945 a 1975) que se seguiram ao termo da Segunda Guerra Mundial e que, na maioria dos países desenvolvidos, foram marcados por significativo crescimento económico. Na Lorena, assistiu‑se, durante esse período, à edificação de centenas de igrejas. Os católicos iam à missa e precisavam de templos para abrigar o exercício da sua devoção.

Parcela relevante desses templos apresenta risco arrojado, franco interesse arquitetónico e quadra com as decisões do Concílio Vaticano II, por exemplo em matéria de abertura ao elemento contemporâneo e no que respeita à conceção de local de culto que convide os fiéis a participarem no ofício divino.

Aqui solto as notas decorrentes da minha visita a duas dessas casas de oração, construídas nos Trinta Gloriosos e dotadas de forma audaz.

Projetada por Carl Litzenburger, arquiteto alemão que apreciava o traço hodierno e foi influenciado pelo trabalho de Le Corbusier, a Igreja de Santa Teresa do Menino Jesus, em Vasperviller, foi edificada nos anos sessenta do século xx. Distribuída em quatro volumes — o principal figura meia elipse, nele se encontram a nave e o altar‑mor —, leva jeito de composto maciço no qual a linha reta e a linha curva se concertam para chamar a modernidade plástica. A sua torre sineira dá ares de ser inexpugnável.

Igreja de Santa Teresa do Menino Jesus

No interior depurado, só está o que, num certo conceito, tem de estar. É fácil circular, reina a vista desimpedida, aqui e ali a luz e as vidraças prestam magnífico serviço de ordem estética. O melhor conjunto de vitrais recria a árvore genealógica de Cristo. As cadeiras da nave, semicirculares e compostas com tabuinhas de larício, foram desenhadas por Litzenburger.

Um dos vitrais alusivos à árvore genealógica de Cristo

Achei horrorosa a escultura de metal, de Lucien Ferrenbach, que homenageia três vítimas do regime nazi, a saber, um padre católico, um cavalheiro menonita e um comerciante judeu. No entanto, curvo‑me face ao seu alcance. A Igreja de Santa Teresa do Menino Jesus não é apenas espaço de prece e de devoção à padroeira, é também lugar de memória, de memória que, como se vê pelo descerrar de vias a projetos autocráticos e totalitários, tanta falta faz.

Erguida no início dos anos sessenta do século xx segundo modelo do arquiteto Georges‑Henri Pingusson, a Igreja de São Maximino, em Boust, fica num outeiro trajado de verde. O templo (rectius, a área onde se encontra a nave) forma um redondo, coberto por cúpula cónica e protegido por pequenos blocos de pedra amarelada associados a betão.

Vista do céu, a Igreja de São Maximino exibe aparência de chave: a haste — um muro comprido e a galeria a ele adossada — liga a cabeça — é dizer, o mencionado redondel — ao palhetão — na igreja, o pequeno bloco da sacristia. O esguio campanário, com 18 metros de altura, opera um corte na horizontalidade dominante.

Igreja de São Maximino

Quando entrámos na nave, o particularismo do local e a estese apoderaram‑se de nós. Impressionou‑nos a cúpula em diedros e, abaixo destes, o cinto de vitrais de Silvano Bozzolini com imaginária religiosa — tirante dois com fundo branco, um alusivo à Ressurreição e o outro à Natividade, os vidros são azuis. O altar‑mor em ponto elevado no centro da nave e a arrumação dos bancos obedecem a ideia de união, de juntar a assembleia à volta do altar, símbolo de Cristo no meio do seu povo.

Imagem da nave

A mim e à Jūratė, tocaram‑nos sobretudo as macroformas do complexo eclesial. Desço agora a outro nível e assinalo algumas obras que ali vimos e de que muito gostámos: o vitral do batistério, o conjunto de estações do Calvário esculpidas em pedras das paredes da capela existente na cripta, a estátua de Cristo suspensa no longilíneo muro exterior (parece que Cristo dá a bênção a quem por ali passa). Não fique de fora a graça: acima do vão onde se localiza o confessionário, um relevo mostra alguém que revela os seus pecados e que, ao mesmo passo, é alvo de tentações congeminadas pelo Diabo.

Alfred, um geronte apaixonado pela Igreja de São Maximino que nem sequer é crente, guiou o nosso giro. Falou‑nos de sérias dificuldades para preservar o templo, disse‑nos que os locais não vão à missa e que, por norma, tal ofício divino ali decorre uma vez em cada 45 dias. Quanto a visitantes, estivemos lá no fim de março de 2024 e fomos os primeiros do ano.

Campanário e estátua de Cristo
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