Deixo, neste texto, impressões resultantes das visitas que fiz a três museus de Molenbeek‑São João.
O MIMA (Millennium Iconoclast Museum of Art), aberto desde 2016, funciona em edifício onde, inicialmente, operou uma fábrica de cerveja. Nele passei revista a Studiolo, exposição de obras de Jean Jullien, artista francês nascido em 1983. Admiro, sobretudo, o seu trabalho enquanto pintor e como cartazista. As imagens da sua lavra são irónicas, chamativas, inspiram simpatia, têm um traço que faz sorrir, parecem desprovidas de fingimento.
O studiolo é um escritório, decorado com objetos caros a quem é dono dele, no qual se pensa, estuda e escreve. Forçando a nota, dir‑se‑á que Jullien criou no MIMA um studiolo, um espaço de reflexão enfeitado com representações de pessoas e de lugares pelos quais sente afeto.
No primeiro segmento do percurso expositivo, o artista usou textos e desenhos, escritos e pintados nas paredes do museu, para apresentar a sua carreira.
As partes realmente interessantes da exposição eram as que reuniam os trabalhos de pintura acrílica — autorretrato, imagens de familiares e de amigos, de cenas que se desenrolam em parques e em praias, e ainda de La Sirenne, uma propriedade da sua família (adoráveis, os tons avermelhados do chão e o respetivo contraste com o verde das árvores e das plantas). É no sentido de questionar a relação das pessoas com a natureza que a praia interessa a Jean Jullien. Usando barracas e guarda‑sóis, indo para a água com boias e outros apetrechos, elas pretendem ameigar a natureza, afeiçoá‑la às suas necessidades.

Saliento as telas em que o artista expressa o seu temor reverencial perante os elementos naturais, achei admirável o modo de contrapor o aparato destes à pequenez dos humanos. Esses dois polos também se encontram recriados nos quadros alusivos ao surfe, desporto que, na simplicidade de meios, Jullien equipara ao desenho: quanto ao primeiro, basta uma pessoa, uma prancha e o mar; para desenhar, um indivíduo, uma caneta e um pedaço de papel são suficientes.

O roteiro terminava junto de uma grande pintura que, além de ser interessante do ponto de vista estético, denotava boa capacidade de síntese no que diz respeito à evolução da humanidade.
Mercê de Studiolo, Jean Jullien tornou‑se um santinho do meu altar artístico.
Popcorn, exposição coletiva de arte contemporânea que atualmente decorre no MIMA, é um desvario de cor, apresenta uma imagem anarmónica da sociedade. A pipoca é um grão de milho que rebentou por ação do calor, o título da exposição radica nos modos surrealistas dos trabalhos expostos, também eles rompem a taciturnidade que se possa sentir por mor dos dias pardos de Bruxelas.
Distingo as pinturas de Nina Vandeweghe, artista bruxelense nascida em 1988. Com humor, aborda temas como o stresse, a saúde mental, o amor, o assédio sexual e o corpo da mulher. A fim de interpelar a sociedade, traz para as telas — quer dizer, para o espaço público — as marcas deixadas na sua vida. Serve‑se da risibilidade e, sem dramas ou cargas negativas, lida nos seus quadros com aquilo que é privado, íntimo, difícil de exteriorizar.

As exposições do MIMA poderiam ter cabimento em qualquer cidade, europeia ou não. A mostra permanente do MoMuse, museu comunal de Molenbeek‑São João, e a do Museu Bruxelense das Indústrias e do Trabalho estão vinculadas a Bruxelas, à história dessa capital.
O MoMuse está instalado num edifício onde funcionou uma escola de desenho e de modelação. Em bairro fabril, ela correspondia à necessidade de complementar a formação dos operários, de desenvolver a sua costela artística. O acervo do museu reúne objetos de índole diversa, usados, por exemplo, no quotidiano.
Gostei de saber, e de o ver documentado em fotografias, que, antes da introdução da escolaridade obrigatória, em 1914, algumas empresas de Molenbeek tinham aberto as suas próprias escolas, com aulas em horário pós‑laboral. A firma Delhaize foi mais longe, criou igualmente cursos de música, de ginástica e de esgrima. Na sala devotada a essas duas modalidades desportivas, proclamava‑se: «Qui peut triompher de son indolence naturelle, peut triompher de tout.» É um dito que faz sentido para motivar os jovens. Quero continuar ativo, no trabalho e não só, mas, na fase da vida em que me encontro, prezo e dou largas à minha indolência natural.
Quanto ao resto, a visita teve parte do seu interesse revelada ex post, quando averiguei quem foram algumas pessoas, com vínculo a Molenbeek, cujas fotos se achavam expostas no museu. Tenho em mente: Augusta Marcoux, educadora de infância e resistente ao nazismo, que ajudou a esconder soldados — nomeadamente soldados ingleses — na sua casa e que viria a morrer, em maio de 1945, no campo de concentração de Bergen‑Belsen; e Paul Halter, que também fez frente aos nazis, esteve preso em Auschwitz, sobreviveu ao Holocausto e passou o resto da sua vida — morreu em 2013 — a fazer esforços no sentido de preservar a memória das vítimas do nacional‑socialismo e de prevenir o advento de regimes opressores da dignidade humana.
O Museu Bruxelense das Indústrias e do Trabalho, criado por iniciativa da associação La Fonderie, tem acervo de pequena dimensão e funciona nas instalações de uma antiga metalúrgica, que pertenceu à Compagnie des Bronzes. Esta sociedade operou em Molenbeek desde a segunda metade do século xɪx até 1979. A mostra está estruturada em função de quatro eixos, correspondentes a setores que marcaram a história industrial de Bruxelas: alimentação, têxtil, metalomecânica e madeira.
Aqui solto registo de algumas coisas que aprendi ou que recordei.
O trabalho de madeira influenciou o desenvolvimento da arte nova e vice‑versa — muitos arquitetos que projetaram edifícios seguindo os trâmites de tal estilo tinham conhecimentos de marcenaria.
No que toca ao chocolate, um dos florões da capital belga, o acesso às colónias e às plantações de cacau em África contribuíram para o desenvolvimento da chocolataria bruxelense. Fiquei a saber que, em Bruxelas, ele é consumido como bebida desde o fim do século xvɪɪ, e que um farmacêutico suíço, Jean Neuhaus, o vendia no século xɪx à laia de medicamento.
A peça exposta que mais apreciei foi Sultan, um leão de gesso que serviu de modelo de fundição de um elemento da obra mais emblemática da Compagnie des Bronzes, o portal de ferro do jardim zoológico de Bronx, em Nova Iorque. Dito isto, gostaria que, de maneira gradual, se acabasse com os zoos, choca‑me a ideia de manter animais selvagens em cativeiro.

Homem do meu tempo, senti que o Museu Bruxelense das Indústrias e do Trabalho precisa de se modernizar através de referências ao trabalho na economia digital.