No Centro de Artes das Caldas da Rainha

O Centro de Artes das Caldas da Rainha é um complexo municipal em cujos espaços de exposição avulta a escultura portuguesa do século xx. Integra o ateliê‑museu António Duarte, o Museu Barata Feyo, o Museu Leopoldo de Almeida, o ateliê‑museu João Fragoso e o Espaço da Concas. 

Em maio de 2023, quando por lá andei, os dois últimos estavam fechados. João Fragoso (1913‑2000), escultor caldense, deixou também trabalhos de desenho, pintura e cerâmica. Maria da Conceição Nunes (1946‑1991), a Concas, foi uma pintora e professora que viveu e laborou nas Caldas da Rainha.

António Duarte (1912‑1998), escultor, nasceu nas Caldas da Rainha. Distinguiu‑se, nomeadamente, como estatuário e como autor de escultura‑retrato.

No ateliê‑museu que lhe é devotado e no jardim do Centro de Artes, guardei, em fotos e na memória, nus femininos, retratos sob forma de escultura, maquetes de obras públicas (como o Santo António da Praça de Alvalade, em Lisboa) e manufactos que não tiveram origem em encomendas, antes no «fazer arte pela arte». Bem assim, estão patentes ao público peças de uma coleção de arte religiosa que pertenceu a António Duarte e óleos de Ramón Rogent, João Reis e Abel Manta que representam o artista caldense.

Algumas composições produziram em mim sentimento vivaz.

Arca, de 1962, é um bloco de ruivina, em jeito de arca tumular, do qual saiu um jogo — de cabeças, antebraços, mãos e dedos — que mostra figuras fechadas sobre si mesmas, sem ouvidos, absortas e cogitabundas, indiferentes perante seus pares. Arca poderia evocar pessoas que vivem em brenhas, fisicamente próximas e espiritualmente longe dos outros. Eu retenho interpretação salvífica, assente na poluição sonora vinda de outrem e no achamento da boa solução através do pensamento e da ideia própria.

Espanto, dos anos setenta do século transato, é um estudo de gesso, um grupo escultórico composto por pequenas criaturas com corpo masculino e cabeça‑máscara oval e espalmada. As posturas e os semblantes desses sujeitos sugerem espanto, ira, afrontamento e desafio.

Porta estreita é o título de dois trabalhos, um de ruivina, o outro de mármore verde de Viana. Em ambos, é admirável a forma como António Duarte apresenta uma figura humana, entaliscada num bloco, que procura sair da sua prisão, libertar‑se da sorte que lhe tocou.

António Duarte, Porta estreita

Salvador Barata Feyo (1899‑1990) foi professor da Escola Superior de Belas‑Artes do Porto, diretor do Museu Nacional Soares dos Reis e conservador‑adjunto dos Museus e Palácios Nacionais. Na pele de escultor, distinguiu‑se como estatuário. Do que conheço e aprecio, refiro a estátua de Rosalía de Castro na Praça da Galiza (Porto), de granito rosa, e aqueloutras, de lioz e colocadas defronte da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que materializam a eloquência, representada por Demóstenes, a filosofia, simbolizada por Aristóteles, a história, encarnada por Tucídides, e a poesia, corporificada em Safo.

No Museu Barata Feyo, encontram‑se expostas estátuas de artistas e de escritores, peças de escultura religiosa e de escultura pública, estudos de nu e retratos‑esculturas. À semelhança do que sucede no ateliê‑museu António Duarte, coexistem estudos e obras definitivas.

O meu olho de leigo apreciou, sobretudo, a mulher embiocada de Inverno e ainda a sensibilidade e a compaixão expressas em Descida da Cruz.

Os artefactos resultantes de encomendas estatais — feitas, mormente, no âmbito da Política do Espírito, ideada por António Ferro no sentido de promover a cultura e de servir os fins do Estado Novo — marcaram a carreira de Leopoldo de Almeida (1898‑1975), professor da Escola de Belas‑Artes de Lisboa e da instituição que a esta sucedeu, a Escola Superior de Belas‑Artes de Lisboa. Ele participou na Exposição do Mundo Português, em 1940, com duas obras, o grupo escultórico do Padrão dos Descobrimentos e Soberania, composição alegórica concebida para o Pavilhão dos Portugueses no Mundo.

O acervo do Museu Leopoldo de Almeida é constituído, principalmente, por desenhos, esbocetos, modelos e maquetes.

Gostei, em particular, de ver as maquetes de gesso dos dois trabalhos monumentais referidos, ou seja, a do Padrão dos Descobrimentos, de 1939, e a de Soberania, do mesmo ano — uma mulher com traços masculinos, que usa couraça, apresenta na mão direita uma esfera armilar e pousa a mão esquerda num colunelo envolto por um filactério que ostenta os nomes dos cinco continentes.

Adorei a visita ao Centro de Artes das Caldas da Rainha, o município merece os parabéns por tal empresa. Só houve um senão: o ar que se respirava naquelas bandas estava empestado. Denotando resignação, um senhor disse‑me que o cheiro desagradável procedia de uma fábrica de alimentos para cães e gatos. À empresa proprietária da fábrica envio todos os meus votos de sucesso e de manutenção dos postos de trabalho. Espero, porém, que ela resolva este problema de ordem ambiental. Ele mancha a jornada de quem passa e decerto afeta a qualidade de vida do caldense.


António Duarte, Arca
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