Décimo primeiro texto de uma série baseada na viagem, devotada ao património cultural, que fiz no Sul da França (Costa Azul e Provença) durante o verão de 2025
1. No debuxo da vila Kérylos, erguida entre 1902 e 1908, o arquiteto Emmanuel Pontremoli colheu inspiração nas casas patrícias de Delos, do século ɪɪ a. C. A moradia corporizava o sonho grego do dono da obra, o helenista Théodore Reinach, e juntava a cultura da Grécia antiga às comodidades do início do século xx. O nome «Kérylos» reporta‑se à andorinha‑do‑mar, símbolo de bons auspícios.
A vivenda, que apresenta traços de art déco avant la lettre, é um recetáculo do ideal helénico — exibe harmonia e proporções corretas; resulta do conhecimento e infunde, ela mesma, saber; servia, do jeito certo, as necessidades da família Reinach.
No meu ver, porém, ali apenas se cumpre o «Nada em excesso» do Templo de Apolo em Delfos se considerarmos que a mansão pertenceu a uma família rica, riquíssima. Só tendo isso presente se pode conciliar a ideia de que não há excessos com os requintes e finuras que abundam na Kérylos.
2. Vista de fora, a casa é sóbria e bonita. Tem jardim e está situada à beira‑mar, o quadro em que se insere favorece‑a.
Os arreios no interior da Kérylos — móveis, louça, tecidos — repetem as alusões à Grécia antiga.
O visitante depara‑se, no rés do chão, com: o vestíbulo (thyrôreion), no qual avulta a estátua de Sólon; o salão de banhos (balaneion), dedicado às náiades; um pátio — com peristilo — cujas paredes estão decoradas com pinturas de Gustave‑Louis Jaulmes e de Adrien Karbowsky (gostei muito de Os Preparativos para o Sacrifício do Touro); a biblioteca; a sala de refeições (triclinium), cujo friso está decorado com silenos a trabalharem no campo; o andron, salão frequentado pelos homens, que prende o tento graças às paredes revestidas de mármore, ao altar doméstico e ao mosaico em que Teseu luta com o Minotauro; uma sala de música.
E, no primeiro andar, com: o quarto de Fanny Reinach, nomeado «Ornithès» em virtude de nele se acharem representados, em frescos, o pavão e o cisne, aves associadas a Hera; o sofisticado chuveiro e também a casa de banho que a dama utilizava, na qual baixos‑relevos ostentam Eros montando animais fantásticos e as pinturas murais evocam a vinha; uma saleta de repouso, com mosaico de tesselas onde se vê Triptólemo; a casa de banho e o quarto — de tonalidades vermelhas e denominado «Erotès» em honra de Eros — de Théodore Reinach.
No segundo andar ficam os dois quartos das crianças — consagrados, respetivamente, a Dédalo e a Ícaro — e, numa galeria da cave, estão expostas reproduções de esculturas gregas notáveis.
O espírito humano é um antro de contradições. Privilegio o minimalismo e o arrumo depurado, mas, na moradia Kérylos, o aposento que mais apreciei foi o andron, justamente aquele onde moram o fausto e o aparato.
3. Eu e a Jūratė revimo‑nos nas pessoas que connosco fizeram o giro guiado à casa, almas que, mesmo durante as férias, buscam a instrução.
A Kérylos é um cosmo, um globo organizado e coerente. Valorizei a subordinação a uma unidade temática e a consonância que daí decorre.
No dia em que lá fomos, visitámos igualmente a mansão Ephrussi de Rotschild, em Saint‑Jean‑Cap‑Ferrat. Aqui, rodeados por magotes de gente, vimos peças de inestimável valor. No entanto, não morri de amores pelo arranjo museográfico e senti saudade do conjunto inconsútil que percebi na vila Kérylos. Na falta de enamoramento, não escreverei um texto acerca da vila Ephrussi de Rotschild. Sublata causa, tollitur effectus.
