Nono texto de uma série baseada na viagem, devotada ao património cultural, que fiz no Sul da França (Costa Azul e Provença) durante o verão de 2025
1. A Fundação Maeght possui um acervo significativo de pinturas, esculturas e obras gráficas, dos séculos xx e xxɪ. Na França, é tida como um must para os apreciadores de arte moderna e de arte contemporânea.
Quando, em 1957, Aimé Maeght visitou o ateliê de Miró em Palma de Maiorca, engraçou com a pinta e com a funcionalidade do mesmo. Pediu ao arquiteto que o ideou, Josep Lluís Sert, a conceção do complexo destinado a albergar a fundação que, com a sua mulher, decidira criar.
O arquiteto catalão aceitou o repto e projetou um conjunto de blocos que associam o tijolo e o betão pintado de branco. O olhar de quem chega logo se dirige para as esculturas do parque e para duas armações semicilíndricas, no alto de um dos blocos, que têm a serventia outrora deferida aos implúvios: recolher as águas da chuva.
Eu esperava deixar as instalações da fundação enfartado com um banquete de arte moderna e de arte contemporânea. Vi obras‑primas, saí de lá feliz, mas não totalmente satisfeito — havia muito espaço dedicado a mostras temporárias que em mim não despertaram nenhum chamego.
Conquanto tivesse visto trabalhos magníficos de Chagall e de outros cujo nome rutila, optei por trazer aqui telas de Ellsworth Kelly, Pablo Palazuelo e Joan Mitchell, artistas que não conhecia. Talvez aquilo que foi para mim uma revelação o seja igualmente para o leitor. E não ficam sem referência as esculturas de Alberto Giacometti que mais me agradaram.
2. Red, Yellow, Blue, óleo de Ellsworth Kelly
Um dos campos em que Ellsworth Kelly (Newburgh, 1923 – Spencertown, 2015) se notabilizou foi o da pintura abstrata.
Red, Yellow, Blue, de 1963, é manufato feito de forma e de cor viva: um quadrado vermelho está dentro de uma superfície amarela que, por seu turno, se encontra numa outra azul. Foi esse o modo de Kelly representar os tomates que via na horta do casal Maeght, em Saint‑Paul‑de‑Vence, e também as mimosas e o céu.
3. Ônfalo II, óleo de Pablo Palazuelo
Pablo Palazuelo (Madrid, 1915 ou 1916 – Galapagar, 2007) foi pintor, escultor e gravurista, mestre no recurso à abstração geométrica.
Estudou arquitetura, era polímato — nas suas propostas, aparentemente simples, mora a complexidade resultante da ciência que colheu em diversos ramos do saber (por exemplo, matemática, física, filosofia antiga e cosmogonias orientais).
A linha, o espaço e a cor, ao serviço do debuxo geométrico, são elementos precípuos nas composições de Palazuelo.
Ônfalo II, de 1962, testemunha o interesse do artista por corpos naturais, como a rocha, e talvez se reporte à pedra sagrada do templo de Delfos, na Grécia antiga vista como centro do mundo. O óleo em pauta gruda: mal entrei na sala onde estava exposto, chamou‑me em virtude dos volumes, da força da cor e por produzir a sensação de estar a ver formas geométricas moldáveis e distensíveis como a plasticina.
4. A Minha Paisagem, óleo de Joan Mitchell
Numa síntese feliz, Joan Mitchell (Chicago, 1925 – Neuilly‑sur‑Seine, 1992), artista ligada ao expressionismo abstrato, declarou que a sua pintura era abstrata, mas representava a paisagem (sem constituir uma ilustração).
A Minha Paisagem, de 1967, é um espécime do paisagismo abstrato que Mitchell levava à tela: um quadro denso, orgíaco, no qual se apresenta, de jeito não figurativo, um cenário e as impressões que ele gera no observador.
5. Esculturas de Alberto Giacometti
Alberto Giacometti nasceu em Borgonovo, Vale Bregaglia, no ano de 1901, e morreu em Coira, nos idos de 1966. Ganhou fama, mormente, graças às representações escultóricas de figuras esguias, que começaram a sair das suas mãos a partir dos anos quarenta do século passado.
Em pátio com o seu nome, na Fundação Maeght, sobressaem esculturas de bronze, todas de 1960, que integram semelhante género: O Homem que Marcha I, O Homem que Marcha II, Mulher Alta em Pé I, Mulher Alta em Pé II e, menos caraterística, Cabeça Grande. Nas peças que representam personagens quedos, topa‑se o hieratismo da estatuária egípcia.
Na captação do movimento ou da quietude, o à‑vontade de Giacometti é idêntico. Senti que, de alguma maneira, a textura grumosa daquelas criaturas me aproxima do respetivo autor, parece que ele ainda ali está. Os rostos são enigmáticos, mas isso não obsta a que das estátuas se evole desassossego.
6. Não tenho vida que me permita estudar história de arte, é em museus e igrejas que vou fazendo a minha formação nas lides. Na Fundação Maeght, a pedagogia de museu foi proveitosa. A empresa de Giacometti e a de outros não constituíram novidade para mim. Aprendi com elas, no entanto. E gostei especialmente da introdução à obra de Ellsworth Kelly, de Pablo Palazuelo e de Joan Mitchell.