Apontamentos

Jean Cocteau em Fréjus: a Capela de Nossa Senhora de Jerusalém

Décimo quinto texto de uma série baseada na viagem, devotada ao património cultural, que fiz no Sul da França (Costa Azul e Provença) durante o verão de 2025

1. Pela obra se reconhece o autor. Quem tenha visto debuxos de Jean Cocteau e depare com as figuras estilizadas do interior da Capela de Nossa Senhora de Jerusalém, em Fréjus, logo dirá que elas provieram da sua imaginação.

Cooperando com o arquiteto Jean Triquenot, o artista concebeu a capela, cuja edificação teve início em fevereiro de 1963. Localizada numa mata, ela tem a forma de um octógono — na Bíblia, o número oito evoca recomeço e ressurreição.

Após a morte de Cocteau, em outubro daquele ano, o seu filho adotivo, Édouard Dermit, valeu‑se dos esquissos do pai e continuou o trabalho por este encetado: recorrendo a lápis de carvão e a lápis de cor à base de óleo, coloriu as paredes internas do templete.

Vicissitudes várias concorreram para que a capela ficasse ao abandono durante anos. Só em 1989 ela viria a receber consagração religiosa. Em 1992, Lætitia Léotard e Henry Virmouneix enfeitaram as galerias exteriores com as composições de tesselas que Cocteau havia ideado.

2. O programa decorativo é extraído da Bíblia, do universo religioso e do orbe da Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro de Jerusalém.

No que toca aos desenhos das paredes, apreciei, em particular, A Crucifixão, vista em contrapicado (na parte inferior da imagem, dois anjos seguram o globus cruciger, sinal do domínio de Cristo sobre o mundo), A Ressurreição — perante o pasmo de dois soldados romanos, um anjo levanta a mortalha avermelhada que tinha envolvido o corpo de Cristo — e o modo de apresentar o brasão da referida confraria. Não vi graça nenhuma nas liberdades que (representando‑se a si mesmo e a outros, como Jean Marais, Coco Chanel e Max Jacob) Cocteau tomou em A Última Ceia.

Quanto aos mosaicos do peristilo, O Centauro prendeu o meu tento, ele semelha ilustrar um tertium genus. A criatura em causa vai associada à parte bruta e bestial do homem — poderia simbolizar a violência machista — e, lembrando Quirão, também à força e à bondade. Já este centauro de Cocteau tem um ar enjoado, não parece capaz de fazer mal nem bem aos outros.

Os vitrais, feitos por Roger Pélissier segundo projeto de Cocteau e de Raymond Moretti, não me agradaram: estão demasiado cheios, os seus criadores denotaram horror ao vazio.

O Centauro

3. Como sucedera na Capela de São Pedro, em Villefranche‑sur‑Mer, também em Fréjus Cocteau fundiu as coisas da fé com as da arte e o resultado foi um templo credor de visita. No entanto, deste saí com um travo estranho: senti que só os turistas — gente que tudo via de corrida — o demandavam. Não havia bancos, cadeiras, genuflexórios, o ambiente não era propício à oração.

A capela é interessante, desperta o sentimento do belo, mas, em termos de alma e de vida, fiquei com a impressão de que é um sítio de ninguém, quase um «não‑lugar» de Marc Augé.


A Crucifixão
A Ressurreição
O brasão da Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro de Jerusalém
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