Em Waldersbach. A obra de Jean‑Frédéric Oberlin

Waldersbach

O texto anterior versa sobre a visita que fiz a pequenas localidades que me atraíram por causa do seu património e do seu edificado caraterístico da Alsácia.

A Waldersbach, terrejola no vale do rio Bruche, levou‑me a vontade de conhecer o museu consagrado à vida e à obra de Jean‑Frédéric Oberlin (1740‑1826). O personagem revelou‑se ainda mais interessante do que eu imaginava e parte do presente escrito tem por objeto o seu labor no condado do Ban‑de‑la‑Roche, em cujo território ficava Waldersbach.

Em 1767, Oberlin tornou‑se pastor da igreja luterana de Waldersbach, onde ficou até morrer. A paróquia compreendia cinco aldeias e três casais. Oberlin deparou‑se com uma região desfavorecida e vergastada por um clima rigoroso e, além de conduzir almas, nela desenvolveu um vasto programa de atividades, nomeadamente no domínio do ensino.

Dotou as aldeias de escolas, ajudou as famílias pobres a comprar livros escolares e distinguiu‑se porque criou as poêles à tricoter, precursoras dos jardins de infância: na sala de uma casa, sob a direção de mulheres jovens formadas para o efeito, as conductrices de la tendre enfance, miúdos em idade pré‑escolar executavam trabalhos manuais, faziam exercício físico, cantavam e aprendiam (francês, geografia, botânica…).

Oberlin catalogou as plantas segundo o critério da espécie ou do grupo de espécies a que pertenciam e, logo nas poêles à tricoter, os cachopos recebiam lição acerca das propriedades, perigos e virtudes desses seres do mundo vegetal.

Fora do âmbito educativo, os seus esforços produziram resultados de grande monta. Fez construir vias rodoviárias que atenuaram o isolamento dos habitantes da zona. Por via de novas plantações e mediante o emprego de novas técnicas, contribuiu para o desenvolvimento da agricultura e para o aumento dos rendimentos dos que dela viviam. Promoveu o artesanato e a tecelagem. Incentivou a formação de jovens, que saíram de Waldersbach com o intuito de aprender a exercer ofícios que lá faziam falta. Destarte, o recesso ganhou parteiras, pedreiros, marceneiros e ferreiros. Instalou uma farmácia no presbitério, nela se distribuíam gratuitamente remédios e plantas medicinais. Consolidou o acervo da biblioteca fundada pelo seu antecessor no Ban‑de‑la‑Roche, Jean‑Georges Stuber. Instituiu um sistema de empréstimo de dinheiro sem cobrança de juros.

O museu exibe a panóplia de objetos que o pastor e os seus parceiros utilizaram, mormente em contexto educacional: inter alia, mapas, jogos e brinquedos pedagógicos, fichas de botânica, instrumentos científicos, coleções de grãos, de conchas e de ovos.

Museu Oberlin, coleção de conchas

Oberlin fiava‑se da fisiognomia, a arte de, pelas feições do rosto, avaliar o caráter das pessoas. Tinha por hábito fazer o desenho de perfil dos que o rodeavam e de quem visitava Waldersbach, algumas dessas silhuetas encontram‑se expostas. Nada sei acerca da fiabilidade da fisiognomia, eu emprego outro método, fito o olhar alheio. Acredito que ele diz bastante acerca do cunho e do sentido ético de outrem.

As peças que mais suscitaram o meu interesse foram os tableaux de réconciliation. Um pedaço de papelão pregueado contém duas imagens; aquela que o observador vê depende do lugar onde ele se posta. Num dos quadros patentes ao público, ora se viam flores, ora se via um pássaro.

Os tableaux de réconciliation serviam para mostrar às crianças — e aos adultos, presumo — que, para entender o seu interlocutor, tinham de se colocar no lugar dele.

Utilizo as redes sociais, mas reconheço os seus efeitos nocivos em muita criatura que, imersa em solicitações e brutificada, impaciente e incapaz de ponderar, dispara sem motivo. Os tableaux de réconciliation deveriam ser objeto de divulgação, fariam bem à sociedade atual.

Valorizei o projeto que Oberlin pôs em prática, apreciei o seu esforço de sistematização, cativou‑me a vertente social.

No entanto, não gostei do paternalismo nem do machismo de que deu mostras (produto da época e do contexto, é certo). Metia‑se reiteradamente na vida privada dos membros do seu rebanho, zelava pelo cumprimento dos bons costumes e em público censurava quem não os respeitava. Às mulheres dizia como se deviam vestir e pentear. Numa lista, chegou ao ponto de arrolar os nomes daquelas que lhe desobedeceram.

Sugiro que o museu apresente, no meio de tanto elogio a Oberlin, um comentário a propósito do cariz abjeto que tais condutas teriam nos dias de hoje. Parece óbvio, mas receio que para os néscios o não seja.


Museu Oberlin, duas imagens de um tableau de réconciliation
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