Em Namur

Nunca fui a Sodoma, mas visitei Namur. A luxúria e os excessos jocosos no Museu Félicien Rops. A avareza na dimensão minúscula das esculturas de Isaac Cordel expostas em diversos locais do burgo. A gula aguçada pelo rim de vaca com mostarda de Dijon e pela tarte de leite-creme na Brasserie François. A preguiça dos belgas, que não lavam as mãos na casa de banho e que, nesse e noutros restaurantes ou circunstâncias, em mim tem produzido uma ira que nem dez anos de vida na Bélgica aplacam.

No Museu Rops, além das poucas‑vergonhas, também as representações da Ofélia de Shakespeare em óleos de Paul Steck, Léopold Burthe e Jules Bastien‑Lepage — ali apresentados a título temporário — me impressionaram.

A despeito dos encantos da cidade, favorecida pela geografia e por ser ponto de junção de dois rios, decidi partir. As chamas e o enxofre vindos de Deus poderiam estar iminentes (e eu não sou Ló nem dei por anjos que dali me levassem). Sob o céu anilado, estuguei o passo. Movido por curiosidade de viajante, ainda fui a uma igreja barroca. Ao rés das suas paredes laterais, dez soberbos confessionários de madeira com uma sinfonia de guirlandas, querubins e colunas de fuste em espiral; decerto não havia no mundo uma terra que tivesse tantos penitentes por metro quadrado como Namur. Por lá fiquei.


Texto postado em luso.eu (15.4.2019).

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