Metz fica no território francês que, por via do Tratado de Frankfurt, de 10 de maio de 1871, passou a integrar o Império Alemão. Consumada — no plano jurídico — a anexação, os dirigentes do Reich foram curando de germanizar o burgo, mormente através da arquitetura. Perceberam que seria um desassiso arrasar o património edificado da cidade velha, não apenas pelos meios que isso implicaria, mas também porque os locais, já de alma ferida, não lho perdoariam. Em zona que estava por urbanizar, levantaram um novo bairro, criado no respeito por preceitos de ordem funcional, estética e higienista.
O elemento nuclear desse arrabalde foi a estação de comboios que o poder tedesco mandou erguer. Inaugurada em 1908, ainda hoje serve quem viaja e é uma das gares ferroviárias mais bonitas da França.
Trata‑se de um complexo monumental, que servia para glorificar o Segundo Reich e que tinha de ser idóneo para garantir, de jeito rápido e eficaz, a partida e a chegada de enormes contingentes de soldados — Metz era um centro militar importante. A sua macicez não lhe tira a elegância, o tom amarelado do grés empregue na sua construção combina bem com a cor verde das telhas. Quem o projetou foi buscar inspiração ao estilo românico da Renânia. No programa decorativo, assaz diversificado, a evocação da grandeza cesárea convive com símbolos de eventos miúdos (cenas da vida quotidiana, o ato de viajar…).
Eu e a Jūratė várias vezes lá fomos, em busca de vitualhas e não só. Gostámos de circular no seu interior, limpo e funcional, e num dos corredores vimos uma mostra de desenhos de Lorenzo Mattotti que versam sobre a corrida a pé — trabalhos de compreensão fácil e intuitiva, como convém num lugar daquele género. Pelo menos até ao último dia em que por lá cirandámos, nenhum parvinho se lembrou de danificar as obras patentes ao público.
Ao lado da gare, há uma torre com reservatório para água, outrora necessário para efeitos de abastecimento das locomotivas a vapor. Ela abrigou igualmente os balneários do pessoal dos caminhos de ferro e, em conjunto com a torre do relógio da gare, parece formar um duo de sentinelas sempre de serviço.

Defronte da estação, avulta um colosso acastelado onde foi aberto, em 1911, o principal posto de correios de Metz (aí funcionou durante mais de cem anos). Denota o sopro do românico e, embora exiba uma aparência mais sóbria do que a gare ferroviária, também a sua feitura obedeceu a critérios de grandiosidade ilustrativa da magnificência do império alemão.
A Avenida Foch chamou‑nos várias vezes ao passeio. É uma alameda arborizada, na qual prédios e vivendas depõem notável ecletismo arquitetónico. A linha fina dos edifícios autorizou‑nos a imaginar, ao menos por momentos, que havíamos retrocedido à Belle Époque.
Claro que, na Avenida Foch e no Bairro Imperial de Metz, nem tudo apraz. As entranhas das cidades sempre contêm em si uma olha podrida. Vimos gente bonita e gente feia, janotas e criaturas sem graça, lidámos com pessoas amáveis e com outras que nos olharam de má sombra. No cotejo com os encantos do casario, os automóveis semelhavam máquinas satânicas. A verdade é que gostámos muito de palmilhar as ruas do rincão em apreço, agradou‑nos a sua arquitetura do volume e da pompa.
Almoçámos na Brasserie des Arts et Métiers, estabelecimento bonito e com algum fausto. Predominava a clientela local e cortês. Perto de nós sentava‑se uma parelha de alemães cujas atitudes e conversas evidenciavam um utilitarismo que, por vezes, roçava a tacanhez.
Começámos com ostra fine de claire. A ostra fine de claire é a que, depois do período no mar, permanece algumas semanas em viveiro situado num terreno argiloso. O seu sabor ganha aí refinamento, não renega as origens marítimas e ganha toque da terra. As nossas ostras cheiravam bem, a maresia, a sua carne fina revelou‑se salgada, mas sem excessos. O pão de centeio, a manteiga e o molho de vinagre com chalota que acompanhavam o molusco eram, igualmente, de boa qualidade.
Seguiu‑se uma especialidade do restaurante, chucrute com produtos do mar (filete de robalo, escamudo fumado, espetada de camarão), batatas cozidas e molho (beurre blanc). É o género de prato que só pediríamos num estabelecimento que nos inspirasse confiança. Passou com louvor, nenhum dos ingredientes nos desiludiu.
A fechar, regalei‑me com um bolo de chocolate coberto por porção apreciável de musse. A Jūratė pediu o nugá gelado, crivado de pedacitos de macaron e de amêndoa tostada, com morangos, tudo servido em calda de morango. No melhor pano caiu a nódoa: a faca usada para cortar os morangos havia servido para preparar cebola e não fora lavada. No pedido de desculpa, gostaria de ter notado maior sinceridade.

