1. Começo por deplorar a irresponsabilidade da Procuradoria‑Geral da República e o seu despropositado parágrafo assassino que levaram à realização de eleições antecipadas. Era verosímil que o fim fosse este: um feixe de horizontes que conduz à instabilidade governativa e que adia decisões e reformas de que Portugal precisa. No que toca a acusações contra António Costa ou a vereditos que o condenem, nicles.
2. Simplificando, eu via o terreno de jogo da política como um campo de futebol em que se defrontavam duas equipas, o bloco da esquerda e o bloco da direita. Agora, mercê da votação conseguida pelo Chega, há três equipas, três blocos em confronto. No entanto, o campo de futebol não dá para tal e gerou‑se um berbicacho.
A AD ganhou. É um triunfo sem brilho, mas é uma vitória. Não topo fibra de estadista em Luís Montenegro, penso que vêm aí maus tempos para os desfavorecidos e que, entre choque fiscal e cumprimento de promessas feitas a uns e a outros, as contas públicas perderão o regramento a que têm estado subordinadas (será ainda pior caso a IL participe ou interfira no governo). Dito isto, desejo felicidades a Luís Montenegro e reconheço‑lhe méritos de resistente. Ele esteve sujeito a fogo vindo das suas próprias fileiras — as declarações de Paulo Núncio sobre o aborto, aqueloutras de Passos Coelho no comício de Faro e do cabeça de lista da AD por Santarém, a presença dos indizíveis Durão Barroso e Cavaco Silva na campanha…
Luís Montenegro e, em segundo lugar, André Ventura serão os protagonistas dos próximos capítulos, ver‑se‑á de que artes dispõe o novo primeiro‑ministro para desenrolar o novelo. Todavia, independentemente da conduta de Montenegro, e mesmo que o «não» ao Chega se converta em «nim», a inconstância de Ventura e a sua propensão para o acirramento são de tal ordem que qualquer compromisso com o Chega implodirá. Lastimo escrevê‑lo: o país não esperará muito tempo por outras eleições legislativas. A volubilidade e o deboche estão no sangue do Chega.
O PS teve uma derrota honrosa, é natural que os Portugueses estejam cansados da sua gestão. Apreciei a clareza de Pedro Nuno Santos ao assumir que o partido encabeçará a oposição e não aprovará orçamentos propostos por Montenegro. O país precisa de intenções percetíveis e seria um erro entregar a liderança da oposição ao Chega (sob pena de lhe garantir, em atos eleitorais futuros, um resultado ainda mais expressivo). Sem prejuízo de os partidos que formaram a AD e o PS acordarem em reformas para melhorar a vida das pessoas, a ideia de bloco central é, pois, de recusar.
Espero que o PS faça uma oposição séria e digna desse nome e que não fique quieto a observar as mais que prováveis desavenças no seio da direita.
Em termos políticos, o Chega foi o grande vencedor das eleições e não espanta que procure condicionar a formação e as opções do futuro governo. Mercê da sua labilidade e de um despudor que o faz sentir acima do julgamento alheio, acabará por provocar a queda do executivo de Montenegro — se dele ficar excluído ou não for ouvido a respeito da sua composição e das suas políticas, será na votação do Orçamento do Estado para 2025; se nele participar, não deixará de criar «casos, casões e casinhos» que tornarão impossível a subsistência do governo.
Assinalo, por outro lado, que se a direita tradicional e a extrema‑direita se associarem, os moderados fugirão, a segunda ganhará foros de normalização e muita gente questionará o sentido da primeira.
Uma coisa me revolta. O Chega é uma força política antissistema, vocacionada para a berraria e para o protesto. Assim ganha um tracanaz de simpatias. Só se ele dirigisse os destinos do país é que os cidadãos, incluindo os que nele haviam votado, sentiriam na pele a desgraça que isso representaria e o Chega perderia apoiantes. Mas tal pressuporia uma construção nefasta: o Chega a determinar o rumo do país.
No que agora é decisivo e depois de o PS se postar na oposição, os resultados da IL, do BE, da CDU, do Livre e do PAN não aquecem nem arrefecem. Seria diferente se PS, BE, CDU e Livre dispusessem de maioria absoluta. Parabéns ao Livre, a generalidade do seu discurso é válida, traz benefícios. Contudo, o temporal que aí vem dispensa as falinhas mansas de Rui Tavares, requer clareza e postura firme. A CDU continuou a cair e os seus potenciais eleitores não esqueceram a posição do PCP em matéria de eutanásia e acerca da guerra na Ucrânia. Quanto ao PAN, partido de fanáticos de uma causa, a sua ambiguidade não compensou. Volto a empregar terminologia futebolística: querer jogar no flanco direito ou no flanco esquerdo, conforme as conveniências do futebolista, não dá bom resultado.
3. Em suma, a instabilidade e o partido que a fomenta, o Chega, foram os reais vencedores das eleições. Não tenho ponta de fé num mandato legislativo duradouro nem na promoção das reformas de que Portugal carece. Nos próximos meses, os tugas ficarão ainda mais cansados da res publica.
Ao escrever este texto, procurei usar a cabeça e a racionalidade. No que respeita ao feeling, o desfecho do ato eleitoral e aquilo que antevejo afastam‑me de Portugal. Sempre conjeturei passar o período da reforma no meu país, mas eles depositaram uns pós na alternativa que vem ganhando força: viver na Lituânia, a terra da minha companheira. É lugar que aprecio e aí mora uma sociedade coesa.