Chega: o seu êxito nas urnas e modo de lidar com ele

1. O boníssimo resultado eleitoral do Chega: motivos

No espírito dos votantes do Chega, encontra‑se uma gama de motivações mais vasta do que aquela que move os eleitores de cada um dos outros partidos ou coligações que se apresentaram ao sufrágio de março de 2024.

Nele votaram fascistas e saudosistas do salazarismo e do Estado Novo. No entanto, antes de ser fascista, o Chega é populista, propaga a demagogia, tem índole autoritária — há massas fascinadas pelo caudilho que exibe músculo, que bate com o salto da bota no chão — e é o partido no qual se reveem os que debitam rancor nas tabernas. Quanto aos últimos, têm agora no espaço público o que sempre lhes faltou: um partido e dirigentes políticos que reproduzem a sua maneira de agir (eu aprecio tascas, note‑se, da grosseria é que não gosto).

No Chega votou igualmente um magote de xenófobos, de machistas, de homofóbicos, de negacionistas da tragédia climática e de criaturas que advogam a destruição do Estado social.

Porque caem tantos na ilusão? Por que motivos se deixam seduzir pelo canto da sereia chegana?

Portugal tem regiões despovoadas e menosprezadas pelo poder político. Aí faltam empregos e recursos, designadamente em matéria de saúde e de educação. Os respetivos habitantes, pobres, arrastam‑se em existência sem horizontes, sentem que não têm nada a perder e, em jeito de ato de revolta, preferem o Chega, cuja mensagem alcançou o seu coração. Se usassem a cabeça, verificariam que esse partido não apresenta propostas exequíveis para corrigir as assimetrias regionais. Neste parágrafo, tenho em mente não só a pobreza que resulta da carência real, mas também a que decorre da impossibilidade de seguir modelos e de lograr refulgências que são vistos como padrões ideais no século xxɪ.

Além disso, e em leitura já induzida pelo discurso do Chega, os cidadãos em causa censuram os imigrantes. Ora, os estrangeiros vão desempenhar tarefas que os Portugueses não querem para si. No Algarve, região onde o Chega ganhou as eleições, abundam as ofertas de emprego, ofertas que os Portugueses declinam. Estou ciente, bem entendido, de que a isso subjaz outro problema: os salários baixos, amiúde associados à ganância dos empresários.

Não tenho o ser humano em boa conta. Motiva‑o a inveja e a maldade. Casais felizes e pessoas com sucesso na vida, por exemplo, geram má‑língua e turmas de invejosos. É o ódio que move um número elevado de indivíduos. Mesmo que gozem de uma vida confortável, não suportam ver os outros satisfeitos. Quando se vai traduzir em voto, o tipo de personalidade em pauta facilmente produz a opção pelo Chega. Há trastes a votar em todos os partidos, mas a escolha nas urnas é indissociável da idiossincrasia.

Custa‑me dizê‑lo — muitas pessoas são burras, ignorantes e incapazes de pensar. Detestam um raciocínio minimamente elaborado e rejeitam aprender. Só comem a palha que lhes põem diante dos olhos, odeiam o saber e a ciência, verdadeiros motores do progresso. Sem prejuízo de o néscio se dividir por todas as forças políticas, também isso ocasiona o voto no Chega, o partido do primarismo e de quem desconhece as lições da História.

A filha da minha companheira, uma miúda, tem milhares de seguidores nas redes sociais, sobretudo adolescentes. Eu perguntei‑lhe se, no que tange a este blogue, me queria dar algum conselho. Sugeriu‑me, com o intuito de chamar visitantes, que comprasse um porco e nesta página web mostrasse o meu dia a dia com o reco (pô‑lo no carro, tentar entrar no supermercado com ele, dormir a seu lado…). Eis a verdade, a triste verdade: o blogue teria um aumento exponencial de visualizações caso eu, em vez de postar textos de opinião, nele expusesse o meu quotidiano com um cerdo. Atrairia miúdos e graúdos, o que é revelador da condição mental dos hoi polloi

Aproveito o ensejo para lembrar que o partido de Hitler teve vários êxitos nas urnas, recusou‑se a cooperar com outras forças políticas e Hitler acabou por ser nomeado chanceler. Quando chegou ao poder, estava em vigor uma constituição de cariz democrático. Depois, foi o que se viu. Como André Ventura, Hitler empregava uma linguagem simples, apelava à emoção e recorria à dramatização.

O Chega tem sucesso junto dos jovens, André Ventura é um senhor das redes sociais. Larga parcela de jovens permanece infantilizada, não lê livros, vive sem aceder à informação séria e basta‑se com a notícia truncada das redes sociais. Esse caldo tolhe o discernimento, a exigência, propicia a opção por um partido antidemocrático.

O Chega beneficia do padrão duplo de julgamento. Se um político do centrão ou a odiada Mariana Mortágua fossem apanhados a cuspir para a relva de um jardim público ou a deitar uma prisca no passeio de uma rua, cairiam o Carmo e a Trindade. Já o Chega, o partido que pretende «limpar Portugal», deu‑se ao luxo de incluir nas listas de candidatos a deputados pessoas que tiveram engulhos com a Justiça, indivíduos que foram condenados em tribunal e vira‑casacas vindos de outros partidos. E os Portugueses, que tanto se queixam do caráter dos políticos, elegeram‑nos. Onde está a coerência?

Para o exercício do padrão duplo de julgamento, concorre a comunicação social encantada com o espalhafato e com a alarvidade que dão audiências. Ela apouca a democracia. O verdadeiro jornalismo, pilar de um regime democrático, é outra coisa.

Diz‑se, e é correto, que Portugal nunca poderia ficar imune ao sucesso que a extrema‑direita obtivera noutros países europeus. Enxergo, pelo menos, uma diferença. Vou frequentemente a França, converso com quem lá encontro. No Hexágono, o sufrágio de extrema‑direita representa, em medida fundamental, a aversão ao muçulmano. Nem tanto por ele ser o imigrante que busca trabalho, antes porque o consideram ocioso e responsável por crimes e por incivilidades.

2. Como lidar com o sucesso eleitoral do Chega?

Registo, em primeiro lugar, o meu pessimismo. Em termos eleitorais, o Chega dispõe de condições para continuar a crescer. Os fascistas e os nostálgicos do Estado Novo já votaram nele. Mas o partido ainda pode cativar sufrágios de xenófobos — cujo número é bem superior ao dos votantes do Chega nas eleições de março —, de machistas, de homofóbicos, de protestatários e dos negacionistas da crise climática. E também de gente básica ou ressentida.

No sentido de resgatar uma fatia dos seus simpatizantes e de a trazer para o arco democrático, é preciso fazer a pedagogia da democracia e do Estado de direito, é necessário resolver problemas do interior desertificado e das pessoas que vivem mal.

Certa mudança de mentalidades também ajudaria. O paradigma assente no bling‑bling e incensado nas redes sociais cria legiões de indivíduos descontentes e ressabiados, incapazes de compreender que cada pessoa tem o seu modo de ser feliz e que, com frequência, aquilo que veem no ecrã do smartphone é fogo‑fátuo.

Outrossim, seria profícuo acreditarmos que o exemplo a replicar deve ser o de quem é solidário e promove o bem‑estar coletivo, não o de quem é dono de um espada ou de um palacete que vale milhões de euros (o autor destas linhas é feliz e mora num T1). Ser sexy? Não, não é ser rico, é promover o progresso da comunidade, a respetiva satisfação económica e espiritual. O arquétipo que valorize o que vai dito neste parágrafo e no anterior redundaria numa sociedade melhor e menos propensa a votar num partido como o Chega.

Termino com duas notas mais prosaicas.

Consoante escrevi no texto precedente, só se o Chega governasse o país é que os cidadãos, mesmo os que nele tinham votado, sentiriam na pele a desdita que tal significaria e o Chega perderia adeptos. Mas isso pressuporia uma construção nefasta: o Chega a governar Portugal.

Olho agora para a direita democrática, que tem vida difícil nos tempos que correm. Caso se associe à extrema‑direita, contribuirá para a normalizar e correrá o risco de por ela ser absorvida.

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