Nas Caldas da Rainha, visitei a Igreja de Nossa Senhora do Pópulo, a Ermida de São Sebastião, credora de interesse por mor do invólucro azulejar com episódios da vida do padroeiro, e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, concebida pelo arquiteto Vasco Regaleira e com porta aberta desde outubro de 1951. No exterior deste templo de avultadas dimensões e de risco que me parece cumprir o gosto do Estado Novo, só nos azulejos dos coruchéus piramidais das torres vi louçania.
A Igreja de Nossa Senhora do Pópulo foi, inicialmente, a capela do hospital termal das Caldas da Rainha. Acabou de ser construída em 1500 (mais tarde, a torre sineira).
Confrontando‑a com o lugar onde se situa, a igreja parece‑me grande demais, criou em mim a sensação de aperto. No exterior, a parte interessante é a torre sineira, encimada por coruchéu piramidal. Ostenta olhais decorados e quatro mostradores de relógio resguardados por frontões. Numa das suas faces, um relevo figura a padroeira e, sob dosseletes, avistam‑se duas esculturas de pedra que, mediante a representação do anjo Gabriel e de Maria, evocam a Anunciação.
Entrei nessa casa de Deus e logo me invadiu uma impressão de riqueza ornamental, de um miolo de igreja no qual o conjunto decorativo tolhe desvelos com elementos decorativos particulares.
Destaco a nave. Acha‑se coberta por abóbada polinervada e artesoada e as suas paredes, tal como as da capela‑mor, têm forro azulejar azul, amarelo e branco. Sobre o arco cruzeiro, polilobado, prepondera um tríptico de madeira que inclui, acima da tábua central, um baldaquino. A moldura do tríptico enquadra não só as telas que recriam Cristo com a cruz, Cristo crucificado e a sua deposição no túmulo, mas também um escudo régio. Os altares que flanqueiam o arco cruzeiro estão revestidos com azulejaria hispano‑mourisca, neles se encontram dois retábulos de talha dourada.
A pia batismal, alfaiada com motivos fitomórficos, zoomórficos e geométricos, deve ter sido muito bonita, mas as marcas da passagem do tempo roubaram‑lhe graça. Na capela‑mor, agradaram‑me o teto em abóbada estrelada e o cinzelado de vasos com flores nas ombreiras e na verga que debruam a porta de acesso à sacristia.
O Auto de São Martinho, de Gil Vicente, terá sido levado à cena pela primeira vez na Igreja de Nossa Senhora do Pópulo, em 1504 e na presença de D. Leonor, que o havia encomendado. Nessa composição, São Martinho, acompanhado por três pajens, encontra um pobre que lhe pede uma esmola. Visto que nem ele nem os pajens traziam dinheiro consigo, São Martinho repartiu com o mendigo uma peça de vestuário, a sua capa.
O auto resultou de solicitação da rainha. Porque entretinha o público, ajudaria a combater os males de espírito. Assim, à semelhança do que sucedeu com o hospital termal, a peça de teatro patenteou o ideário assistencialista de D. Leonor, fundado na prestação de auxílio a quem dele precisava e também no juízo de que tal constituía encargo da autoridade pública.
