O restaurante Solar dos Amigos, na aldeia de Guisado, abriu portas ao público em 1975 e exibe decoração rústica em que avultam motivos tauromáquicos. Tem ao leme a diligente Luísa Nunes, que no cair de cada quarta‑feira, o dia de folga, já sente muito a falta do trabalho.
As especialidades da casa são a tiborna de bacalhau (bacalhau à lagareiro), o polvo no forno, o bacalhau à campino (pão tostado, esventrado, com couve, feijão e lascas de bacalhau, guarnecido por salada, arroz de feijão e migas de grelo), o bife à forcado (um bife de vaca), os cascos à Ribatejo (tassalhos de vaca) e as bandarilhas de borrego (costeletas de borrego). Atiçaram‑me igualmente o apetite as enguias fritas com arroz de feijão e o lombo de atum.
Resisti às entradas — pataniscas de bacalhau, farinheira e morcela de arroz, entre outras — e ataquei o bacalhau à campino, que lisonjeou os olhos e o paladar. Tinha boa apresentação, ingredientes da melhor cepa, bombava de portugalidade. Ainda assim, não se perderia nada caso o recheio do pão tivesse gosto mais intenso, eventualmente com recurso a azeite e a alho. Terminei o jantar com pão de ló húmido — banal, não deixou saudade. Bebi um vinho decente, um tinto de Monsaraz e, no fim do repasto, ofereceram‑me ambrosíaco licor de framboesa e canela.
Atendeu‑me uma jovem, competente e gentilíssima. Cada vez que se aproximava da minha mesa, ela denotava ansiedade, parecia esperar que eu lhe pedisse coisa estrambólica ou impossível. Eu sei que, em certas ocasiões, as pessoas não me entendem, não é fácil lidar comigo. Mas juro que, ali, comportei‑me como um paz de alma, fui simpático e não fiz pedidos desviantes.
Portugal há de ser sempre uma terra de pascácios. Perto de mim, um homem referiu‑se várias vezes a uma professora espanhola de medicina que integrava o seu círculo de conhecimentos como «professora doutora» e chegou mesmo a pronunciar, de maneira pausada, «ca‑te‑drá‑ti‑ca». E uma idosa quis saber, junto de quem a servia, quais os famosos que haviam refeiçoado naquele estaminé.
Mesa posta para um césar? Para o mais insaciável dos glutões? Não, aquela mesa da Adega do Albertino, em Imaginário, achava‑se reservada para mim e para a Jūratė. Por nós esperavam os acepipes, dispostos sobre os elementos do mensório: pão, manteiga, patê, azeitonas, chouriço, melão com presunto, requeijão, queijo, salada de polvo e salada de búzios. E à fartura correspondeu a qualidade dos materiais.
O rol dos pratos era extenso, incluía ensopado de enguias, polvo na telha, arroz de bacalhau com gambas, massinha de bacalhau com camarão, bacalhau à lagareiro, costeletas de borrego, entrecosto com vinho, mel e amêndoas e, confecionados à maneira da casa, negalhos, chanfana, coelho desossado e rojoada. Enchemos o bucho com polvo e entrecosto, ficámos satisfeitíssimos. O octópode, tenro, veio acompanhado por batatas, grelos, cenoura, camarões e um molho sápido. Quanto à carne — acolitada por batata frita, arroz, grelos, cenoura e laranja —, cozinhá‑la com vinho foi uma excelente ideia.
A lista de sobremesas era, também ela, longa. Integrava, designadamente, pera borrachona em cama de suspiro, leite‑creme, trouxa d’ovos, doce de ovos, doce de amêndoa, encharcadinha, pudim Abade de Priscos e musse de chocolate com uísque. Elegemos doce de amêndoa e leite‑creme, ambos revelaram feitura sem mácula.
Bebemos um tinto do Douro (Encostas de lá, da reserva de 2018) que mostrou competência para acompanhar a refeição e, a acabar o banquete, também a ginja da casa, feita por Fátima, a senhora que em 1989, com o seu marido Albertino, criou este restaurante onde só pela alma das canastras se jejua.

Inaugurado em 2022, nas Caldas da Rainha, o restaurante Maria dos Cacos propõe uma ementa baseada em pitéus a partilhar. Quando lá fui, constavam da lista, entre outros: cornetos de camarão e maionese de chipotle; naco de atum braseado e molho verde; torta de bacalhau, salada verde e espargos; bacalhau e húmus de pimento; peixinhos da horta e aioli de açafrão; sopa de lavagante e ovas; tatin de cebola e queijo azul; croquete de vitela e mostarda; minitacos de frango, alho e abacate. Ricardo, o chefe, foi buscar a bondade da ideia de partilhar petiscos à sua casa familiar, na qual era comum haver bastante gente à mesa. Pedi a torta de bacalhau, preparada segundo receita da mãe do cuco, e os tacos de frango, alho e abacate.
O catálogo de sobremesas compreendia: tarte de lima; doce de amêndoa; farófias; trouxa de ovos, laranja e sorvete de tangerina; tarte de limão e crumble de tomilho; panacota de baunilha, compota de tomate e pistácio. Comi tarte de limão, que, na verdade, não o era. Tratava‑se, isso sim, de creme de limão.
Tudo o que passou por baixo da minha abóbada palatina primou pela excelência do sabor: é de truz, o trabalho de Ricardo e da sua equipa. Vestindo traje de árbitro da elegância, direi ainda que o restaurante é muito bonito, o seu adorno é supimpa. Para o Maria dos Cacos, cinco estrelas e todas as demais que eu possa dar.
Em terra lusa, amiúde ouvi o cantochão relativo à falta de vontade de laborar, fundada no direito ao Rendimento Social de Inserção e a outras prestações sociais. Cheguei a questionar a minha convicção — as dificuldades de recrutamento de mão de obra radicam nas más condições oferecidas aos candidatos, incluindo salários baixos. Ricardo comunga do meu ponto de vista e disse‑me que, a troco de salário decente e na presença de espírito solidário e grupal, arranja‑se quem trabalhe e queira permanecer na equipa.
