Sétimo texto de uma série baseada na viagem, devotada ao património cultural, que fiz no Sul da França (Costa Azul e Provença) durante o verão de 2025
1. A oração dá‑me esperança, renovada esperança, gosto de rezar. Fi‑lo, com particular letícia, na Capela do Rosário, em Vence, espaço ideal para quem pretenda associar a estese ao mundo do espírito.
Durante um período de convalescença, Henri Matisse (Le Cateau‑Cambrésis, 1869 – Nice, 1954), figura maior do fauvismo, beneficiou dos cuidados de uma jovem, Monique Bourgeois. Mais tarde, ela ingressou na ordem de São Domingos, na qual tomou o nome de Jacques‑Marie. Em 1947, quando as dominicanas de Vence manifestaram vontade de levantar uma pequena igreja, Matisse, então com 77 anos, ofereceu‑se para ser o autor do respetivo projeto. As religiosas assentiram. A Capela do Rosário foi inaugurada em 1951.
O artista concebeu um templo que, sem prejuízo do sagrado, passa impressões de refinamento e de harmonia. A descerimónia que ali se sente corre a par da ligeireza que a prece deixa na alma.
Matisse afirmou que a capela era tão alegre que se poderia converter em sala de baile. Os críticos argumentaram que ela se afastava excessivamente da tradição iconográfica cristã.
2. Nessa casa de Deus, a nave e o coro destinado às religiosas abrem para o altar, cuja pedra lembra, na cor e na textura, o pão integral, por vezes substituinte do pão ázimo na Eucaristia.
Os lavores da porta do confessionário despertam memórias do Oriente.
O branco que prevalece no chão, nas paredes e no teto entra em felicíssimo contraste com o amarelo, o azul e o verde dos três grupos de vitrais. Para compor os motivos desses conjuntos hialinos, Matisse inspirou‑se no reino vegetal: o grupo da nave e o que se encontra por trás do coro das freiras evocam folhagens; o da capela‑mor, intitulado Árvore da Vida, promana do cato com flor, símbolo de resistência e de obstinação pela vida — a planta cresce no deserto, dá flor e fruto.
Três painéis de cerâmica, com traço preto em fundo branco — as duas cores do hábito dos dominicanos —, ornam o interior da igrejola. O que representa São Domingos, na capela‑mor, e o da Virgem com o Menino, na nave, transmitem serenidade. Do terceiro, com as cenas da Paixão e colocado no fundo da nave, ressuma tormento (ainda assim, não tanto que roube ao local a aparência de lugar ditoso e abençoado).
São justamente as imagens dos painéis que definem o significado espiritual do templo: por um lado, a tradição diz que o rosário é prática instituída por São Domingos; por outro, ele reporta‑se a andanças de Jesus Cristo (cenas da Paixão, por exemplo) e a episódios da vida de Nossa Senhora (o nascimento do Menino, por exemplo).

3. Eu e a Jūratė visitámos a Capela do Rosário no pino do verão. Certo é que os circunstantes condiziam com a finura do lugar, não vimos pessoas sem maneiras nem sinais do turismo alarve.

