Nono texto da série Autores que Cantaram o Douro
Campos Monteiro (Torre de Moncorvo, 1876 – São Mamede de Infesta, 1934) foi médico, escritor, tradutor, deixou textos em várias publicações periódicas, exerceu cargos públicos. Revelou‑se um autor polígrafo, a sua obra compreende poesia, prosa e peças de teatro.
Ares da Minha Serra. Novelas Trasmontanas, de 1933, reúne uma novela, A Tragédia de um Coração Simples, e dois contos, A Rebofa e Um Aviso do Céu.

A Tragédia de um Coração Simples centra‑se na figura de João Caramês, um jovem dotado de «alma bondosa e lavada de sentimentos maus»[1], que, por amor a uma mulher (Madalena) e para preservar a felicidade desta, vai ao ponto de assumir a autoria de um crime que não cometeu. Duvido que, no presente, ainda haja amores assim. As ouras do progresso e a azáfama carreirista moeram o sentimentalismo e isso reflete‑se nos apegos amorosos.
Segundo o Dicionário Caldas Aulete (versão digital), a rebofa é o «refluxo das águas de um afluente do Douro quando a corrente deste rio, por ocasião das enchentes, não permite o escoamento do dito afluente». Em decorrência da construção de barragens, o fenómeno tornou‑se infrequente.
No primeiro dos dois contos de Ares da Minha Serra, está em causa uma rebofa no Vale da Vilariça: «Três caudalosas correntes — do Douro, do Sabor e da [ribeira da] Burga — se entrechocavam ali agora, se davam ali rija peleja, sôbre o vale submerso.»[2] A rebofa provocada pelo Douro embastecido frustra as colheitas de que dependia o sustento de um casal e condu‑lo a um fim trágico.
O visitante do meu blogue sabe que gosto de dar a conhecer Portugal. Assim é e por isso aqui apresento um texto relativo ao Vale da Vilariça que encontrei na página web do município de Torre de Moncorvo, um dos concelhos por onde o vale se espraia.
Ele «corresponde a uma falha tectónica preenchida pelos aluviões originados pelas cheias – localmente denominadas de “rebofas” – provocadas pelo refluxo das águas do Sabor e da ribeira da Vilariça em alturas de cheias no Douro. Os terrenos fertilizados por estas cheias tornam‑se ubérrimos.
Ficaram famosas por todo o país e além‑fronteiras as enormes produções de linho cânhamo (desde a Idade Média), cereais e produtos hortícolas, particularmente o melão, o feijão e o grão. São, igualmente conhecidas as experiências com a produção de tabaco. A partir do séc. XX, o cultivo da vinha tornou‑se dominante, restando, na atualidade poucos espaços para a produção de outras culturas. Recentemente, tem‑se assistido ao ressurgir da produção hortícola no vale, com destaque para a abóbora, o melão, as couves, o feijão, o tomate, os morangos.
É importante referir que este vale é uma importantíssima linha migratória para as aves, devido aos cursos de água aí existentes – Ribeira da Vilariça e o Ribeiro Grande – e as suas albufeiras de rega.
Desfrute deste belíssimo território, que se estende pelos concelhos limítrofes de Vila Flor, Alfândega da Fé e Mogadouro».
Já se vê que, neste trecho, se mostra o lado bom das rebofas. Ao casal referido no conto tocou o respetivo lado mau.
A ação de Um Aviso do Céu decorre, em grande parte, num barco rabelo que desce o Douro, da foz do Sabor à foz do Tua. Na Valeira, o rio insubmisso causa um susto aos passageiros da embarcação e tal sobressalto mexe com a alma crédula duma mulher cujo filho se preparava para cruzar o Atlântico a bordo de um navio, rumo ao Brasil. Certo é que a crença e a impressionabilidade da senhora acabaram por se revelar providenciais.
Um Aviso do Céu é estória simples, que, como o Melhoral, não faz bem nem mal.
Apreciei a trama bem armada da novela e do primeiro conto e ainda a leitura correntia que Ares da Minha Serra proporciona. Mesmo toscanejando, continuava a ler esse alfarrábio.
[1] MONTEIRO, Campos, Ares da Minha Serra. Novelas trasmontanas, Porto, Civilização, 1933, p. 22.
[2] MONTEIRO, Campos, ob. cit., p. 270.