Aubette, uma «obra de arte total»

Na segunda metade do século xvɪɪɪ foi construído em Estrasburgo um edifício, de pendor horizontalista e de feição neoclássica, que acomodou militares. «Aubette» foi o nome que lhe deram, pois o render da guarda tinha lugar à l’aube (ao amanhecer) defronte do colosso em causa.

No século xɪx, o imóvel albergou um café e o museu municipal de pintura. Depois de um incêndio, em agosto de 1870, foi alvo de obras de requalificação (entre 1873 e 1875).

Em 1922, os irmãos Horn, que na cidade dirigiam importantes trabalhos de urbanismo, tomaram de arrendamento uma das suas alas, a fim de nela instalarem um complexo voltado para a diversão. Para a ordenação das formas, contrataram Hans Arp e Sophie Taeuber‑Arp, que mais tarde tornariam Theo Van Doesburg partícipe no projeto.

Van Doesburg tinha sido um dos fundadores da revista De Stijl, que divulgava os princípios do neoplasticismo, movimento abstracionista que teve Piet Mondrian como figura de proa e que exaltava a natureza geométrica das composições e o emprego das cores primárias (vermelho, azul e amarelo), combinadas com o branco, o preto e o cinza.

Hans, Sophie e Theo criaram uma «obra de arte total», um conjunto recheado de formas geométricas e abilhado com poucas cores; uma obra na qual todos os elementos (pintura das paredes e dos tetos, mobiliário, iluminação…) concorriam para a obtenção dum sentido estético comum.

Inaugurado em 1928, o complexo compreendia: na cave, um bar e um cabaré, decorados com motivos biomórficos que se afastavam do geometrismo patente no programa ornamental dos outros compartimentos; no rés do chão, um café‑restaurante, um segundo restaurante, mais refinado do que o primeiro, um salão de chá e um bar; uma sobreloja onde se jogava o bilhar; no primeiro piso, uma sala de cinema e de baile, uma sala para festas e um cómodo dotado de bar.

Aubette, sala de festas

Ideado por Van Doesburg, o arreio da sala de cinema e de baile e da sala para festas é um hino à figura geométrica. Porém, ao passo que no salão de festas Van Doesburg permaneceu fiel ao preceito neoplasticista e se contentou com linhas verticais e com linhas horizontais, na sala de cinema e de baile aplicou os princípios de um movimento que fundou, o elementarismo: empregou o traço oblíquo e desse jeito imprimiu dinamismo às composições.

Aubette, sala de cinema e de baile

No meu ver, Hans, Sophie e Theo atingiram o objetivo que os guiou, conceberam espaços que exsudam um charme aere perennius. Sobrariam razões para que se sentissem bem os que por ali passavam.

Foi diverso o juízo dos estrasburgueses (apodá‑los de «estrasburguesitos» talvez seja mais apropriado). Os diretores do estabelecimento procederam a ajustes que visavam adequar o atavio ao sentido estético prevalecente na época (talvez seja mais correto falar no gosto — ou falta dele — das massas). E, em 1938, arranjaram maneira de ocultar o trabalho de Hans Arp, Sophie Taeuber‑Arp e Theo Van Doesburg.

Sob a designação «Aubette 1928», o conjunto de espaços em pauta está entregue à gestão da rede de museus de Estrasburgo e o público pode visitar os aposentos situados no primeiro piso, os únicos que foram objeto de reforma.

Andar por ali teve para mim dupla virtude: gostei do que vi e, dando largas à fantasia, topei‑me nos Anos Loucos. Só faltou ouvir jazz e ver uma flapper a exibir a sua bela tiara de plumas.


Aubette

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