Na França reina hoje a divisão política e social. Ela é alimentada pelas reflexões — ou falta delas — acerca da imigração e do que falhou no acolhimento e na inserção dos muçulmanos que demandaram o Hexágono em busca de uma vida melhor. Quando votam, muitos cidadãos franceses já não se regem por critério ideológico, nem sequer pela vontade de protestar, motiva‑os apenas o asco ao islamita.
Na sequência das minhas andanças em Estrasburgo, escrevi alguns textos. O primeiro que publico serve para dar notícia da visita que fiz ao cemitério muçulmano da cidade, um cemitério municipal inaugurado em fevereiro de 2012. É o meu jeito de mostrar contentamento por obra que dá sinal de integração da comunidade moslém no país que a recebeu.

Situado numa zona residencial, o campo‑santo ocupa área superior a 1 hectare e acomoda sepulturas, todas orientadas para Meca, cuja modelação é distinta da que se vê no adro dos defuntos católicos. Devo, porém, dizer que o produto dessa diferença material não me causou surpresa, aqueles leitos de morte não geraram em mim qualquer assombro estético. O que ali sobreleva é a dimensão espiritual ligada à memória, ao luto, à saudade do familiar ou do amigo que partiu. É o que se espera dum cemitério, independentemente do credo.
Por razões de higiene, os corpos são inumados dentro de urnas. Nos países islâmicos são enterrados, no próprio dia do decesso, dentro de um sudário.
Um simples com quem conversei estuava de orgulho pela existência do campo‑santo, tão importante para os maometanos da região. Estar perto do local onde os parentes mortos foram deitados à terra conforta a alma, levar o seu corpo para o país de origem custa tempo e dinheiro. Outrossim, nos cemitérios multiconfessionais, os talhões destinados a muçulmanos já não chegam para as necessidades.
Note‑se que, por força das leis que secularizaram a república, em França não é possível criar cemitérios próprios a uma confissão (há alguns, designadamente cemitérios judeus que não pertencem ao Estado e remontam a época anterior àquela em que essas normas foram aprovadas). Acontece que tais preceitos não eram — e não são — aplicáveis na Alsácia, que pertencia ao Reich no momento em que entraram em vigor.
Nisto lobrigo certa ironia: o regime jurídico particular é que cria as condições mais favoráveis à inclusão do mosleme, ao despertar de afincos na construção da identidade coletiva francesa.

