A propósito do acesso à habitação e da nova vida de três imóveis de Nanci

Na Europa, os valores das rendas e os preços obscenos dos haveres imobiliários têm dificultado, e de que maneira, o acesso à habitação. Em países como Portugal e Espanha, muitos advogam limitações à entrada de imigrantes, que aí chegam para ocupar postos de trabalho rejeitados pelos locais, vivem em condições miseráveis, pagam impostos e contribuições para a segurança social. No entanto, poucos falam das incursões de milionários e de fundos de investimento que compram vivendas e apartamentos sem sequer os visitar, que expulsam os moradores das cidades e que, no respeitante à maioria dos mortais, volvem a condição de proprietário numa ilusão. Em pauta estão rentistas, donos de fortunas nababescas, que beneficiam da inexistência ou das vicissitudes da tributação à escala global. À sociedade vão essas pessoas buscar a sua riqueza, é pois équo pedir‑lhes que contribuam para o bem de todos.

Mercê do que representam em termos de economia de custos e de valorização do património, aprecio edifícios requalificados. Na medida em que tal concorra para dar casa a quem dela precisa, valorizo os imóveis que foram convertidos em locais de habitação.

Nanci, a cidade mais importante do departamento de Meurthe e Mosela, regurgita de tesouros artísticos e arquitetónicos. Todavia, pelo simbolismo, trago ao leitor, no primeiro texto que escrevo a propósito dessa terra, três unidades que ganharam nova prestança. Duas delas são agora pequenos complexos residenciais.

Menciono, em primeiro lugar, um silo que integrou as instalações fabris de uma companhia moageira, a Vilgrain. Terá sido edificado em 1923 e na atual centúria acabou demudado em bloco de apartamentos. Não se pode dizer que seja um prédio bonito, nem mesmo as janelas de razoável dimensão lhe tiram a aparência de mono industrial. Oferece ótimas vistas, a respetiva frontaria abre para um canal.

Bloco de apartamentos num antigo silo da companhia Vilgrain

Em Vandœuvre‑lès‑Nanci, foi construída em 1908 uma torre com um reservatório, necessário para abastecer de água a cidade de Nanci, que então passava por uma fase de expansão demográfica. De betão armado e com 35 metros de altura, o conjunto tornou‑se obsoleto em meados do século xx. Cogitou‑se a sua demolição, mas, já perto do fim da centúria, foi transformado em unidade de alojamento social (HLM – habitation à loyer modéré).

Tendo em conta a conformação da obra, os arquitetos nela conseguiram meter 18 fogos. Abriram‑se vãos de janela e dessarte os aposentos ganharam luz. As divisões em que se passa mais tempo justam‑se à fachada, as restantes amoldam‑se ao núcleo central, outrora formado pelas condutas de água e pela escada de caracol. O topo — aí se guardava a água — compreende vários espaços de arrecadação.

Vandœuvre‑lès‑Nanci, unidade de alojamento social em torre que tinha reservatório para água

Na comuna de Laxou, situada na área urbana de Nanci, a Igreja de São Paulo foi erigida entre 1961 e 1965. Em decorrência da redução do número de fiéis presentes em celebrações religiosas, a paróquia vendeu o imóvel. Adquiriu‑o o município, que aí acomodou um centro cultural (o Espaço Europa, inaugurado em 2000).

O debuxo do edifício é original, talvez constitua a mais insistente evocação arquitetónica da Santíssima Trindade que eu já vi. Ao corpo do templo, de estrutura triangular, apôs‑se uma vistosa armação metálica, também ela arrumada em triláteros.

Espaço Europa

É o que tenho para contar. Agradou‑me pôr os olhos nestes três ícones do património e saber da sua vida nova. Não constam do livro turístico, mas, no meu parecer, sempre conservarão um encanto aere perennius.

Etiquetas: , ,