1. O Meurthe e Mosela é um departamento loreno da região administrativa francesa do Grande Leste. O debuxo das suas fronteiras é produto da junção dos territórios do Meurthe e do Mosela que não passaram para o vizinho germânico em 1871.
Outrora, a mineração e a indústria deram emprego a muita gente. Perderam importância na sequência das crises que as fustigaram a partir dos anos setenta do século xx. Entretanto, ganharam relevo o setor terciário e a universidade.
2. Porque o estômago reclamava atenção, mal chegámos a Briey fomos jantar. No restaurante La Clauserie, despachei sápidos rins de vitela, acompanhados por mostarda e batata frita. O prato de peixe que a Jūratė pediu incluía bolinhos de bacalhau, quem sabe se por influência de algum tuga a viver naquela terra.
A estudante de 17 anos que nos serviu trabalhava ali em regime de tempo parcial. O seu namorado, um português da mesma idade, também tinha um part‑time em Briey e por ele cobrava 1 200 euros líquidos mensais. Em Portugal, por executar as mesmas tarefas, receberia 600.
Havíamos marcado pernoita no quarto que Carole Kedzierski põe à disposição dos visitantes no apartamento da Cité radieuse em que mora e, terminada a refeição, seguimos para esse complexo residencial concebido por Le Corbusier. Quando viajo, instalo‑me em albergues de cariz impessoal: prezo o anonimato de quem me acolhe e não gosto de me dar a conhecer, atormenta‑me a perspetiva de ter de conversar quando me sinto cansado e não me apetece fazê‑lo. Por outra banda, obceca‑me a vontade de estar sozinho ou de ter apenas a companhia da Jūratė. No entanto, queria pousar num edifîcio projetado por Le Corbusier, daí a reserva em causa. Foi a escolha certa. Carole mostrou gentileza, inteligência e nunca enveredou pelo caminho da intimidade desarrazoada. Guiou a nossa visita à Cidade Radiosa, abriu‑nos as portas do apartamento‑modelo, revelou‑se um poço de informações. Graças a ela, entendemos melhor a importância dos animais na vida dos humanos — disse, e nós percebemo‑lo, que no ano passado, aquando da morte da sua mãe, o seu cão (Bobby) a salvara.
Le Corbusier, mestre cujas consecuções atraem arquitetos e os que nada sabem de arquitetura, desenhou cinco Cité radieuses (ele preferia a designação «Unités d’habitation»), blocos de avantajado volume que agrupavam um grande número de fogos. Alguns deles compreendiam também áreas para lojas e equipamentos diversos — era o ror de famílias residentes que justificava a oferta de bens e serviços no prédio (a tal propósito, falava‑se de «grandeur conforme»). Visto que se recorria sobretudo a pilares, e não a paredes, para garantir o suporte estrutural desses colossos, o piso térreo dispunha de vasta área livre.

Na ideação dos complexos residenciais em apreço — um na Alemanha, quatro na França —, Le Corbusier socorreu‑se do Modulor, um sistema métrico por ele criado que assentava nas proporções do corpo humano e levava em conta as posições deste durante o dia. Assim, seria possível organizar o espaço de molde a que as pessoas experimentassem conforto.
A fim de dar alojamento aos que apareciam na zona em busca de emprego, a construção da Cidade Radiosa de Briey‑en‑Forêt decorreu entre 1959 e 1960. Os respetivos trabalhos foram dirigidos por André Wogenscki, arquiteto e colaborador de Le Corbusier. Os primeiros moradores instalaram‑se no prédio em 1961, logo nos anos sessenta e setenta ele perdeu habitantes: com as suas famílias, partiram os militares americanos até então estacionados na base de Étain‑Rouvres, próxima de Briey, e deixaram‑no os trabalhadores afetados pela crise no setor siderúrgico. O imóvel ficou desabitado e, nos anos oitenta, houve propostas para o demolir. A conjugação de esforços de várias entidades permitiu salvá‑lo e requalificá‑lo. Hoje, uma escola de enfermagem ocupa parte do edifício.
Só o corredor do primeiro andar (chamam‑lhe «primeira rua») permanece no estado original. Nos corredores, para que as cores das portas e de outros apetrechos sobressaíssem, adrede se optou por minguada claridade. Ora, aos mineiros já bastava o negrume do seio da terra, amiúde as suas famílias mantinham as portas dos apartamentos abertas: a luz natural que neles entrava pelas janelas iluminava também as ditas galerias de passagem.
A Cidade Radiosa de Briey‑en‑Forêt não me transmitiu impressão de ligeireza, mas o emprego da cor mitiga a frieza do betão. Se é certo que ela merece encómios pela sua funcionalidade, também não faltam motivos para a louvar em razão da estética. A qualidade do trabalho de Le Corbusier resiste à força corrosiva do tempo, bem podemos afirmar que esta Unidade de Habitação se fez com uma levedura e com um sal que a defendem do estrago físico e da usura dos gostos.

