1. Eu e a Jūratė chegámos a Rodemack sob a luz azulada do crepúsculo vespertino. Cansados, sentimos sobretudo a presença das muralhas, testemunhos da convulsa história do burgo. Franqueámos a Porta de Sierck, erguida no século xɪɪɪ. O respetivo arco, desmantelado em 1944 a fim de permitir a passagem dos tanques americanos, foi reconstruído em 1989 com base num debuxo de Victor Hugo. Durante o passeio, demos por nós numa rua com feições medievais e agradou‑nos o jogo da luminária pública, que debitava luz amarela, com os azuis do anoitecer e das portadas das janelas.
O registo vivaz veio de um homem jovem saído da pequena cervejeira local. Libertava eflúvios da bebida que ali se produzia e, com alor de garoto, insistiu em mostrar‑nos o automóvel que comprara e lhe havia sido entregue no dia anterior. Anunciou tratar‑se de um BYD, que denotava os atributos de um Tesla sem copiar os respetivos preços. Faça‑se a vontade a quem está tão feliz. Fomos ver o carro e notámos que o seu proprietário nele tinha deixado algumas lascas da esponja adesiva usada pelo vendedor com o intuito de resguardar partes da chapa. A avaliar pelas reações deste jovem, o fabricante chinês faz jus ao lema que adotou (Build your dreams).

2. Segundo a lenda, os integrantes da caravana que se dirigia para Neuss e que transportava as relíquias de Quirino, um mártir romano, passaram a noite numa colina e, de manhã, não puderam seguir caminho com o relicário. Numa das versões que li, não conseguiram arrancá‑lo do chão. Os factos tiveram lugar no século xɪ, Quirino havia sido morto no século ɪɪ. Foi necessário deixar parte das relíquias no local. Um grupo de frades decidiu tomar conta delas e fundar ali um priorado, que se viria a tornar um centro de atração de peregrinos.
Várias centúrias depois, em consequência da instalação de fábricas de vidro naquela zona, a comunidade prosperou, desenvolveu‑se e, no século xvɪɪɪ, foi erigida a grande igreja do priorado. Ela é, ainda hoje, o mais imponente imóvel de São Quirino (o mais bonito e proporcionado é a escola, de 1910). O órgão da igreja, elogiado pelos peritos, é obra da reputada casa Silbermann.
Balbina, filha de Quirino, padecia de doença. O seu pai levou‑a à presença do Papa Alexandre I, que estava preso. O sumo sacerdote curou‑a, alegadamente pousando nos seus ombros os anéis das correntes que lhe tolhiam os movimentos. Certo é que, em São Quirino, há uma fonte a cujas águas se atribuíram propriedades terapêuticas e que no lugarejo se fundiram a romagem escorada na fé e aqueloutra motivada pela esperança de cura.

3. Visitei igualmente Dabo, terra com menos louros do que Rodemack ou São Quirino. Fica em região onde o monte e a floresta dão cartas. Fui à Igreja de São Brás, menciono o seu retábulo‑mor: de avultadas dimensões, inclui uma pintura que representa a Assunção e tem registo idêntico ao do trabalho de Rubens, evocativo do mesmo tema, que se encontra na Catedral de Nossa Senhora, em Antuérpia. A tela do retábulo é, talvez, empresa da oficina de Rubens.
A essa aldeia me chamou o Penhasco de Dabo, uma formação rochosa de feição oblonga, com 30 metros de altura, que reina num cume situado a 664 metros de altitude. Parece que, ali, tudo compensa a viagem. O penhasco é um notável pedaço de natureza, o panorama que o visitante tem defronte de si é magnífico, os ares são puros e benfazejos. Nem sequer falta o bom resultado do esforço humano: no topo do grande rochedo, prepondera capela com um quê de graça.
A brisa e as vistas não afetaram a índole sexista de um senhor, talvez citadino, que estacionara o seu carro ao lado do meu. Por telemóvel, conversou com uma mulher à qual, a dado passo, ordenou: «Essaye de faire quelque chose de mangeable pour ce soir.» No tom e no teor, todo um programa machista.

