Por ocasião das viagens que fiz nos Estados Unidos, senti medo da polícia, mais medo da guarda do que dos ladrões. Recordo‑me dos painéis, colocados em viadutos, nos quais estavam inscritas ameaças de detenção (se não erro, em caso de velocidade excessiva ou de condução sob efeito de álcool). E lembro‑me de, na Flórida, ter vivido uma experiência muito desagradável. Na estrada, um agente da ordem obrigou‑me a parar e, com péssimos modos, interpelou‑me. Fui mesmo forçado a dizer‑lhe onde tinha passado a noite. Tudo porque, embora nunca tivesse saído da faixa de rodagem em que circulava, não conduzia de maneira linear e, motivado pelo desejo de ver a paisagem, fizera ziguezagues ligeiros. Estes haviam espoletado o alerta de uma colega dele, que se deslocava num carro sem distintivo de polícia e que me seguira durante vários quilómetros.
A generalidade dos Americanos é simpática e fraterna, o seu país é bonito. No entanto, em virtude da paranoia securitária, não pretendo voltar à terra do Tio Sam num futuro próximo.
Em Portugal, enquanto membro da comunidade, é o Ministério Público (MP) que me provoca receios. A maioria dos seus magistrados é séria, competente e bem‑intencionada. Mas noto desnorte, arrogância, irresponsabilidade e passagem de linhas definidoras da separação de poderes, que são e têm de ser linhas vermelhas. Isso está a lesar o nosso regime democrático.
A Operação Influencer não é caso único e denota essas máculas de forma exemplar. Um parágrafo assassino, firmado pela Procuradoria‑Geral da República, esteve na origem da queda de um governo eleito por maioria absoluta e levou à realização de eleições antecipadas, sufrágio que os Portugueses não queriam e que apanhou o país de calças na mão, sem alternativa consistente ao executivo em funções. Consoante se previa, o resultado da votação provocou instabilidade institucional e governativa.
A atuação do MP que subjazeu ao dito parágrafo já tinha sido posta em causa pelo Tribunal Central de Instrução Criminal e foi agora censurada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em decisão tomada por unanimidade. É certo que as decisões judiciais em apreço versaram apenas sobre as medidas de coação impostas aos arguidos, não se destinavam a apurar a existência de crime. Sucede que ambas apreciaram o significado, o valor dos indícios da prática de crime apresentados pelo MP. E foram demolidoras no que toca à força de tais indícios.
São claros os sinais de que o MP cometeu erro sério. Erro que derrubou um governo respaldado por maioria absoluta, que buliu com o funcionamento das instituições e que beliscou o princípio da separação de poderes.
O MP tem de refletir acerca do seu trabalho, sem corporativismos e chamando pessoas como Maria José Fernandes, a procuradora‑geral adjunta que denunciou as falhas da magistratura em causa. E deve abrir o debate à sociedade.
A Procuradora‑Geral da República tem de prestar contas, creio mesmo que deve demitir‑se do cargo que ocupa. É uma pessoa honesta, não há equivalência moral entre ela e José Sócrates, mas, em termos de dano causado à democracia, sinto‑me tentado a pô‑la ao lado desse antigo primeiro‑ministro.
Caso Lucília Gago não seja responsabilizada, o cidadão decente perderá mais alguma confiança no funcionamento do Estado de direito. Desta vez, afetados foram António Costa e o respetivo governo. Amanhã, poderei ser eu, poderá ser qualquer um de nós.